Resposta à Sugestão* de Cecília Meireles
– Declaração –
 
Poeta,
para mim tua sugestão é vã. Discordo.
Porque sou como o rosto de qualquer homem.
Como toda a humanidade não sou resto e nem, muito menos, coisa.
 
Sou humano.
Não sou flor que só enfeita ou perfuma.
Não sou onda que vai e vem e retorna.
Não sou lua que é iluminada para refletir –  nem luz própria ela tem.
Não sou ar que entra e sai que vem e passa.
Não sou pedra, eu faço o destino – o meu.
Não sou nuvem. Deixo marcas.
Não sou cigarra, não canto. Eu denuncio.
Não sou camelo, ainda que eu só deixe a escrita para interagir.
Não sou pássaro. Sei aonde chegar e quando me perco na imensidão eu encontro novo rumo.
Não sou boi, não me entrego à morte.
Não sou sereno e nem isento – gostaria de ser, mas dentro de mim há um vulcão que não me deixa sossegar e ser indiferente.
 
Sou fiel a mim e no que acredito. Se quiser a minha fidelidade faça-me acreditar que vale à pena. É fácil sugerir tudo isto para ser multidão e não ter compromisso com a própria opinião.
 
Poeta,
com isto tu fostes como sacerdote que quer manter, justificando,  a ordem. E não como o artista que questiona para criar condições para a novidade e trazer o inédito, a possibilidade de melhoria – maior liberdade de ação e igualdade entre o humano.
O homem não pode ser resto, coisa ou ser inanimado ou irracional. Senão, não seria humano.
 
Por ser humano é que deixamos o rude das florestas e as sombras da caverna. Por ser angustiado e angustiante, cúmplice e infiel à irracionalidade é que buscamos a luz plena. Tornamo-nos um só organismo – a humanidade – e ansiamos pela justiça social.
Não podemos ser como
a flor,
a onda,
a lua,
o ar,
a pedra,
a nuvem,
a cigarra,
o camelo,
os pássaros
o boi,
ainda que poeticamente belos.
 

É da bizarrice humana que buscamos acertar para atingir a perfeição – o que é ser perfeito? – e fazer assim a estética do Ser – ser humano.

Declaro!




 
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 02/01/2015.


 
* Sugestão
Sede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Flor que se cumpre,
sem pergunta.

Onda que se esforça,
por exercício desinteressado.

Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silêncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E à nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

À cigarra, queimando-se em música,
ao camelo que mastiga sua longa solidão,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocência para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Não como o resto dos homens.

Cecília Meireles, in 'Mar Absoluto'

 
 
 
Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 23/07/2015
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