Fantasma

Fomos ao porão, o meu fantasma e eu. Estávamos pálidos da vida. Nada conseguiria nos consolar. Fomos dormir o sono secular. Nada poderia nos acordar. Nunca mais seríamos vistos como antes. Quem nos visse agora sentiria sempre falta de algo, que já não estava conosco, mas nos nossos sonhos.

Por vezes, prevalecia o gosto bom do sono pesado, o gosto pesado de uma letargia de pedra. Outras vezes, rompia-se o sono em uma amargura que não saberia dizer se era minha ou do meu fantasma.

Um dia, com muito esforço, decidimos sair do porão e rever o mundo lá fora. Fomos à superfície. Os olhos brilhavam, os meus. O meu fantasma ia triste, desaparecendo. Até que eu fiquei só. Olhei ao redor e tentei perguntar por ele a quem passava. Só que quando perguntava, nunca saía da minha boca que era por ele que eu procurava, saía sempre uma palavra difícil, e todos se assustavam. Parei, então, de perguntar por ele, passei só a contemplar tudo, maravilhado pelo que via, com um tipo novo e dormente de alegria.

Foi quando percebi. A sua marca estava em mim e eu não podia mais me aproximar da vida sem aquela marca de fantasma. Mesmo vivo, eu teria que ver tudo de longe. Pois mesmo que eu chegasse perto, ao invés de, como Midas, as coisas se transformarem em ouro, elas ficavam sempre intangíveis, intocáveis, nunca invisíveis.

Então, desci outra vez ao porão, sem mais o meu fantasma. O mundo inteiro lá fora, agora, é que era o meu fantasma.