Das ruínas de minha cidade fantasma - 2
me acordei com o escuro esganando a glote uma guilhotina isso de ser sempre forte. fiquei cansada de tanta força e abrir caminhos na pedreira explodir o escuro, o vício da noite que me absteve. o vazio na ânsia de abraçar-me. pavio de fio desencapado eu. chicoteando os ares lapidando-me rocha com choque de mares. longarinas se fizeram dentro de minha cabeça na orla do caos. longe vim. cultivei voo de garças esculturadas sobre jardins de perdas que viram pedras peras pardais.
me a cor dei levanto-me mareada sento no banquinho de minha penteadeira como barco desatracado em alto mar. na in_cômoda auto-retratos-desenhados por um alfabetário unicórnio e meu batom gasto. o espelho da noite navega meu corpo nu escalpela minha alma num só lavanco, a pulso unhas me cravam como vidros em pedaços grosseiros e diagonais na carne o frasco cupido de perfume derramado na madeira escura que cintila a cor da maresia na vida do cedro. giletes varando a face fatiando olhos avencas e lavandas. unhas ferrugens arrancadas de farpas enterrando ainda mais raízes naufragatas nos sabugos sulcando a pele da lua onde se cravam mordidas e cuspes. eram ais dentro de cala bocas calabouços para frases nudas meu beiço rosnado nas paredes sem janelas e sem gelosias.
me acordei e não escapei à noite que só as crianças os gatos e as estrelas sabem...
ou ainda: do mesmo modo encapsulada feito cravo poro na pele:
a noite me absteve
perfume no frasco
esvaziado
***
as crianças me sabem
noite gato
estrela
***
fio desencapado
choque nas rochas dos mares
láguágrimas nos ares
***
noite me abraça
chicote de tripa
desencapada, eu
***
a carne em diagonal
ballet
do caos
***
guilhotina no sabugo
mundo esculturado
no espelho
***
navega meu corpo nu
a noite
me lavanda
e me avenca
***
raízes naufragatas
cabeça medusa
escalpelada
***
meu batom gasto
no beiço rosnado
meu alfabetário unicórnio
auto retratos desenhados nas paredes
com olhar mareados
nas janelas pelas gelosias
***
e por aí
vai
acesa a vela
agulha e gilete
varando a noite
a veia.
Rio, dois mil e sempre.