Restos de mim

No bar toca uma música. Na lembrança, um caminho e o som de muitas cigarras. Onde está quem já morreu? Eu subi uma ladeira alta para olhar mais largo. Isso foi na imaginação. Nas outras casas havia solidões. Alguém estava boquiaberto na janela. Eu gostava de olhar as estrelas quando passava na rua vazia. Eu estava sozinho e grande. Uma árvore no escuro tem contornos que a realçam. Eu já vi o meu rosto no espelho quando apaguei a luz. Ninguém soube que no quarto havia vida. A casa começa no primeiro tijolo e termina no capim do quintal. Tenho saudade de ter sido aquilo de dentro do teu sorriso. Eu só cresci para atravessar a rua com esses restos de mim. Na minha voz tem um segredo que fala junto com as outras palavras. Na voz de todo mundo deve ter. Eu observo o mar que cada pessoa traz quando chega perto. E dou o meu sorriso cabisbaixo. No meu murmúrio tem uma prece. No meu olhar, uma distração. Eu só sei lembrar do que não vi direito.