Sucata

Um homem vai dobrando esquinas, tentando ignorar o próprio vazio. O que seria dele sem as avenidas? Sentado à beira, colhendo faróis e buzinas, um homem pesca, quase dormindo na praça. Ele é o vazio e o vazio é um lugar; um espaço onde se germinam peles mortas, soltas, abandonadas, apodrecidas. No vazio não entra nem água, apenas um ácido, que é preciso ter estômago.

Um homem vai cambaleando, e sabe. Sabe que não pode tocar em nada. Insensível. Um desfazimento. O homem não tem olhos, tem devastações, desmoronamentos, até o pó. Na rua, um homem é um lugar. Um lugar desinterpretado no meio das gentes. Um figurante na plateia do nada; onde tudo fica, assim, de longe...

Mas olha, sem ar, sem ritmo, sem graça, olha. Ao redor, o buraco. Nada se desfaz. É tudo ainda um brotamento. O homem é uma bolha, que espera, sem saber, o toque. Algum toque, com efeito, o feitiço contra o feiticeiro, um desmanchamento, que seja. Quem dera, por caridade, a sensação perdida, antes do retorno, encolhido, rumo ao próprio peito magro, degenerado, desvalido, sucateado, um verdadeiro lixo urbano no meio da cidade.