ANOTAÇÃO PARA O DIÁRIO (6)

  Eu, criança, quando cheguei à cozinha encontrei minha tia lavando uma dessas latas grandes, embalagens de  gordura industrializada, latas que ela as reaproveitava para guardar gordura de porcos criados e abatidos em seu terreiro.
  Ela assobiava baixinho - assobio assemelhado a vapor de água fervente quando começa a escapar do bico da chaleira (ou, se se quiser fazer disto um evento maior: ruído de caldeira de locomotiva enquanto descansa).
  - A senhora está feliz hoje, tia! assobiando!... 
  Interrompendo aquele sopro que a mim me pareceu distraído, ela respondeu: 
 - Não, meu filho!... Assobio para desabafar... 
   ...E continuou na lide.
   (...)
   Nunca me esqueci.
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  Hoje de manhã peguei-me assobiando do mesmo jeito que ela o fazia, também numa manhã, há tantos anos. 
  ...(Ontem deitei-me preocupado.) 
  ...(Preocupado acordei e me levantei hoje.)
   (...)
  Fôssemos nós, nós apenas - com nossos procedimentos, nossas atitudes -, os fazedores de tantas preocupações; nós mesmos os autores de tantas erratas  nos livros de vida que escrevemos, atos e fatos que passam percebidos, mas que não se corrigem... menos pior. Todavia, embora tentemos corrigi-las, embora apontemos, nos originais, onde estão as erratas, os tipógrafos continuam imprimindo os cês-cedilhas no lugar dos ss, e vice-versa...
  (...)
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  Pois se a causa da minha preocupação é, para mim, dessas maiores - que, me parece, dificilmente se resolverá -, hoje de manhã peguei-me assobiando como caldeira de locomotiva que descansa. 
  ...E confesso: o assobio me aliviou.


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Jul., 01, 2015