Desalinho
Dói em mim também, mas não é igual. Dói, mas eu não sinto, não é no meu corpo que o vento sopra. A boca seca é diferente quando sua garganta implora por água e quando é o sol que não te aquece mas te suga até a alma.
A dor é profunda por que é só lá no fundo que ela me afeta. Meu organismo vivo perambula moribundo, meu pensamento não floresce porque as raízes secas não são férteis o bastante para flores, talvez algumas ervas cresçam, e isso será tudo.
Quem dera eu ser a possuidora das mazelas para saber que todo melindre tem seu fundo de verdade, e teria errado menos, e não haveria a culpa pela mão murcha que vejo agora.
Aprendi o que era fé quando as pernas ainda eram curtas e correr era preciso, hoje, caminho lentamente a passos largos, só encontro ausência e mesmo sabendo que nunca é tarde e que movo montanhas sou desalinho ambulante.
Assino papéis escutando palavras que chovem torrencialmente diante da vertigem e quando junto as mãos em concha tudo escoa por entre meus dedos fortes.
Profano com minha reza para que acabe mas que não seja o fim enquanto a vejo cobrindo os olhos para prosseguir. A cegueira que mostra aos seus pés o caminho onde suas solas buscam o contato reconfortante da terra fazendo suave cada pegada é a mesma que põe diante dos meus olhos paredes translúcidas através das quais eu não quero enxergar.