A um templo revelado

A vida afastou-me fisicamente de ti,

Mas te conservo na alma.

Nos meus grandes e pequenos silêncios.

No meu olhar cabisbaixo pelo mundo,

Quando endurecem as manhãs como gelo sobre a grama,

E quando as tuas lembranças se arvoram em querer ver o sol nascer novamente...

Nada é como antes e tudo é como antes.

Nada de mim em ti é para sempre

mas tu és em mim para sempre.

Como a semente, me plantaste sobre os campos do mundo.

Floresci, feneci, fui tudo e nada.

Orvalhada por lágrimas de madrugadas,

E queimada nos místicos desertos, sobre as dunas da desesperança.

Como cinzas espalhadas pelos ventos, fui adubando outros solos

e o impossível. O que transpareceu, mas muitas vezes não vingou.

A vigília pela sobrevivência quase me perdeu de ti.

E muitas vezes lutei para me salvar das águas dos meus olhos.

E fui vendo que continuavas lá, a contemplar-me a essência,

A perscrutar-me o coração pelos cristais dos meus átrios desertos,

Onde, muitas vezes, não estão mais os homens nem seus passos.

E onde não há sequer uma estrela tua refletida.

Assim, aqui estou, mãos vazias, lendo-me para ti

Para que não te esqueças de mim, porque nunca me afastei de ti

Um segundo sequer,

Embora possa te parecer que eu tenha desertado

do teu corpo místico,

Foi ele quem me ensinou a viver.

É nele que ainda vivo,

ora sorrindo, ora refugiada

(como nesse Adágio de Albinoni)

nas lembranças dos nossos céus.