Cristo dos Terreiros
Já deu meia-noite no relógio da magia, é hora de romper a placenta, as vísceras, as entranhas, pois vai nascer a filha mais adorada das trevas: a luz. O parto é uma aurora indolor.
A inquietude é o coração dos presentes, o tremor é a calça dos não-iniciados, e a devoção é a comida dos antigos. Eu não sou nem um, nem outro: sou o sacrifício voluntário! Apenas cá estou, estando. Por ora sou sujeito do nada, de coisa alguma, e apresento um olhar congelado pela expectativa do devir. Mas chegou a hora. É agora.
O tambor soa, a dança acontece, os espíritos descem, os homens sobem, agora tudo é o ritual, até mesmo o pensamento. Tudo misturado no caldeirão do instante. Nesse momento eu sou semente, pedra, vegetal, a insanidade dos sábios, eu sou oração:
"Luz divina que emana de um pai eterno, porque me abandonastes?!
Sabei que não fui feito para a cruz, por que queres pregar numa tábua toda a minha energia? Mas se vosso desejo é a minha morte, que eu seja crucificado! Porém, não te esqueça de dizer a humanidade noutra bíblia: eis aí outro filho de um Deus Vivo; eis aí outro salvador, eis aí o cristo dos terreiros: o caminho, a verdade e a vida".