COTIDIANO E FRACASSO

Eu já havia superado todas as cotidianas ilusões que inspiram a grande maioria das pessoas a levantar pela manhã e afundar na rotina. Não tinha nenhuma expectativa. Apenas a esperança de um mínimo de estabilidade no meu precário dia a dia. O que já era difícil. As coisas não costumavam dar certo. Estava sempre envolvido com alguma dificuldade ou dilema. Não tinha o mínimo talento para gerir a vida. Havia sempre uma conta pendente, uma mulher descontente, alguma tarefa adiada ou algum arrependimento.

Tudo sempre acontecia comigo da pior maneira possível, tudo estava sempre “fora do lugar”. Não levava uma vida muito comum. Tinha plena consciência do quanto meu existir era uma desordem completa e do quanto minha existência era precária.

Não era destas pessoas para as quais a vida dava certo. Também não achava que as coisas eram melhores na vida dos outros. Quase todo mundo que conhecia também levava em alguma medida uma existência disfuncional. Só não tinham muita consciência disso. Achavam que, apesar das dificuldades, tudo funcionava de algum modo a seu favor. Eram ingenuamente otimistas com relação aos fatos. Permaneciam mansos em meio a tempestade.

Para mim, essa era pior coisa que podia acontecer. Permanecer sóbrio e anestesiado em meio á insanidade cotidiana. Já tinha desistido de mim mesmo, me acostumado ao desespero.