Alice por hoje
Quero ser Alice por hoje.
Quero me
derrubar
em um buraco fundo, muito
fundo
Me derrubar, sim, porque todos deveríamos saber que Alice não caiu. Deixou-se cair, deixou-se engolir pelo desconhecido inebriante, pela causa secreta que morava dentro do cantinho soturno da mente e e s t i c a v a - s e para o peito e arrebentava-se na boca a cada palavra ras-ga-da. O obscuro é tão sedutor que se torna tarefa árdua recusá-lo.
E para quê?
Para que se preocupar?
A queda não pode ser tão dolorida quanto o aprisionamento à superfície. Faço da queda o gosto amargo do álcool em meus lábios rachados, as lágrimas que me molham e me secam por dentro, a minha grossa casca que amolece com o toque, os risos frouxos, as crises depressivas, os abraços desesperados, o coração aos murros contra o colchão macio da cama, a insônia que não me afasta, mas me atira para dentro do universo onírico, para meu país das maravilhas particular.
Quero me perder entre ponteiros frenéticos, dentro de um sorriso diabólico, envolta pela fumaça de um narguilé, mergulhada em um chá fumegante, no meio de um jogo de xadrez. Quero ser confrontada pelos meus próprios demônios. Quero ser esticada e encolhida. E, sendo Alice, ser mais de mim do que jamais fui.
Consegues me ouvir?
Ou o sussurro está ficando cada vez mais
distante?
Espero que esteja. Espero que não consigas me ouvir daqui de baixo
assim como nunca conseguistes me enxergar enquanto estive aí em cima.