O que éramos
As cartas foram rasgadas.
O amor, que parecia infinito, se desfez em segundos.
Não éramos tudo o que imaginávamos.
Não éramos nada.
A saudade despida de todos os dias
Estava instalada num dos cantos da sala.
Lá, onde muitas vezes amanhecíamos sem nos dar conta das horas.
Não tínhamos pressa.
Não sabíamos que o tempo passava tão rápido.
Tecemos nossas histórias com esmero de criança que faz o primeiro desenho usando lápis de cor.
Não tínhamos como saber que esse capricho seria a única lembrança em nossas memórias distantes.
Não sabíamos de nada.
Agora, em meio à agonia de existir
Vagueio entre os gatos
E, no meio da tarde, gateio-me no quarto escuro
Como se quisesse ressentir o que não tem mais volta.
Acho que a caneta, o guardanapo, o bar onde escrevíamos poemas em letras adornadas
Tudo deve ter morrido um pouco com os ponteiros das horas que não sabíamos que passavam,
mas seguiam feito trem bala para lugar algum.
Restamos distantes e incomunicáveis.
José sem Maria.
História sem fim.
Restamos abortados, como o filho que não deixamos vir.
Como as palavras que calamos para dar espaço a um silêncio maior que nós.
Maior e incansável no ruir da tristeza que nasceu daí.