SEM RUMO
Passa das onze.
O sol brinca na janela.
Meu humor, feito pára-brisas,
Enxerga nuvens onde não há.
Tenho tanto tempo para não estar
Que me cansa a sensação de existir.
Encontrei um escrito antigo.
E havia tanto sentimento rabiscado
Que uma lágrima desgovernada
Trombou no poste da estrada desabitada...
Um erro!
Tentei ler até o fim,
Mas o amargo veneno dos desencontros
Impediu solenemente que a tortura se perpetuasse.
Rasguei promessas em mil pedaços
E segui.
Na sala, os gatos
Na cozinha, os pratos
E em mim?
Não saberia dizer.
Ligada no automático,
Fiz o que havia para ser feito: limpeza, comida e acasos.
Estacionei meu verso num dos quartos
E tentei desempoeirar a vontade de sair dali.
Não consegui.
Correntes indizíveis me mantinham neste não querer estar e no não querer ir.
Agora, há um minuto não mais, revi o vulto daquele amor tão remoto e pensei:
- isso é coisa de véspera de domingo.
Tomei minha dose de realidade e desentupi os ralos,
coisa que faço sempre aos sábados.
Deixei escoar o que não era bom
Deixei que a água levasse o que não era meu
Tive a breve esperança de lavar a alma...
Soda cáustica de quem ousa sonhar.
Retomei os fatos, os gatos e os sapatos
Coloquei todos os livros e CDs em pilhas
E me recolhi em mim, porque não havia mais nenhum outro espaço.
Deixaste a vida sem endereço!