Sem título e sem amor

Caso eu ficasse na mesma posição que mantive durante as ultimas horas da minha existência meu corpo paralisaria de tal maneira que demoraria alguns dias para contrair o primeiro músculo. É fato que as necessidades físicas me fariam mover com horas de antecedência. Mesmo assim, a ideia dos longos anos estática é tentadora.

Se virasse de bruços e fizesse um casulo com o velho edredom poderia ficar imóvel por anos e a sensação de imortalidade me tornaria inalcançável. Como seria confortável e quente e nada mais importaria. Mas, apesar de toda a agonia que sufoca o peito e aprisiona a mente na melancolia, é certa a porrada da realidade. A certeza que meu corpo não se sentiria mais confortável depois de poucos minutos por uma simples questão fisiológica e gravitacional e que um suposto barulho feito por um ser vivo qualquer ruiria o forte que custou a felicidade e o calor insuportável do quarto pra construir.

Se minha mão e a parte do meu braço saíssem do território da cama e percorressem o caminho aéreo até um livro largado no chão, me obrigariam a trocar de papel com a taça de cristal assassinada por um humano que recebeu certa educação. A consciência suplica para eu permanecer intacta. E, finalmente, a faceta da razão surgiria quando as combustões descompassadas de sentimentos abrissem uma pequena brecha. O conflito entre a lealdade que devo a cama e a ocupação da mente com materiais acadêmicos deixariam minha vida débil e inútil.

A existência da realidade é crescente. Então, prefiro dormir.