Devaneio de um Andarilho
Ai de mim todas as dores do mundo
Eu que não me enterro neste vasto mundo,
como andarilho nesta estrada de pedras e flores,
deposito sobre o parapeito de uma janela,
apenas um papel com meu nome.
Quem será que vai achar aquele minúsculo sinal de mim?
Ora, esse mundo que avança sem que me peça permissão, ele avança como a correnteza morro abaixo.
Se eu fosse Deus, não daria a ninguém a obrigação de me adorar,
afinal, nada é mais medonho do que pedir companhia.
Que seja a noite apenas o sinal do fim do dia, já disse, outrora o poeta,
mas, como se à noite fosse autorizada deixar-se ir,
não sabem os poetas que a lua nos engana com sua luz?
Ah, esse vasto mundo que desconheço desde que me vi ao espelho.
Não ouço nem um soluço, ou uma palavra, ou mesmo um lamento,
que me obriguem voltar meu rosto ou meu olhar; quero seguir. Quero andar só eu e meus pensamentos, quem sabe, assim, eu possa existir além de mim.
As tais lembranças que me atribuem como se eu fosse obrigado tê-las,
não fazem de mim alguém tomado de algum saber. De certa maneira, cultivo minha ignorância, afinal, agindo assim, penso, sofro menos e meu coração não grita as dores desse fausto.
Que a hora das 6, possam, todos os pardais e sabiás, saírem em retirada para a árvore mais alta; que lá, todos, adentrem seus ninhos e saciam a fome dos seus rebentos. É magnífico saber que mesmo os pássaros precisam de descanso.
Eu que já nem sei para aonde vou, não tenho nada que não seja meu por direito ou conquista pelo meu suor; sempre cultivei a simplicidade e a parcimônia como minha medida de todas as coisas.
Não tardarei, assim que a Aurora anunciar sua chegada, em partir para mais esse dia que me joga perante o mundo. Eu que desde que aqui aportei, sem que me dissessem deuses e demônios o que me aguardava tamanha aventura, não relutei em aceitar o torrão que a vida assim me ofertava.
Todavia, sem que o dia acabe encoberto por nuvens as mais cinzentas, bem sei que ele não termina sem que eu sinta meus pés sobre a terra que será minha morada. Ora, pois, então vos digo, amigos e, quem sabe, algum inimigo que por ventura eu tenha, parto por essa estrada por aonde iniciei minha jornada, afinal, tudo volta ao ponto donde se partiu. Amém.