Canto da Cena Maior

Ondas variáveis

sinais primários de existência

avançam

entre povos e vidas

alterando paisagens e tempos

envelhecendo o observador atento do drama

narrado nos tijolos do templo

abandonado

pelos velhos sábios sem pátria.

Absolutas

erguem-se ante os céus

a cor de olhos cegos.

Braços lânguidos se estendem

em reverência aos deuses que sabem a história circular

sempre a se repetir sobre o palco

onde se desfia a mais íntima ficção.

Numa das mãos surge homogêneo personagem

que despedaça a frágil textura da cena

com o ódio santo das palavras cuspidas ao vento.

Insensívelmente

adivinha muralhas e as escala em êxtase

invadindo

o cenário absurdo do autor.

Ondas...

resvalando pelo palco, famintas

buscando a real presença entre a multidão desperta.

Não se justifique a criação selvagem

que sabe a força das plantas e dos países.

Não louvemos o hino entoado ao amanhecer

nem o trabalho de homens compenetrados

que se vestem e se despem como mágicos

estúpidos em gozo e lucidez.

Noutra mão, o personagem tem outra face

balbucia perdões enigmáticos em idiomas ancestrais

sofre por ser solitário

escarnece dos deuses e dos demônios

que os visitam em cada momento de fé.

Invade a cena, esquece a fala...

adormece ressentido e fracassado

vaiado em uníssono

em felicidade cenicamente feliz.

O espetáculo aprisiona o olhar, submisso

à espera da proxíma expressão do ator.

Corrente precisa de lucidez mágica,

quebram-se ondas sobre rochas humanas

e o penhasco infindo onde debruçamos esta ansiedade

atrai a vertigem das idéias...

até quando seremos pláteia?

Todo medo é pacífico guerreiro...

destroí, anônimo, as grandezas de liberdade

adivinhadas ao fim dos dias de festa e glória.

Morro indeciso, se preciso fôr

mas morro consciente e feroz

mato a erva rasteira entre meus pés e canto:

afastem de mim este cálice incolor!

Vejo as imagens indo e vindo

cristais e rios sem leito ou brilho.

Meu reino não é deste verso

e não me chamo

homem ou mulher.

Opto pelo vazio entre rostos estranhos

meus caros irmãos!

que árduo é o fardo de sabermos pensar.

Meu ator diz o texto que sonhei

braços, abraços, sexo, dor.

O maestro, mãos em riste, anuncia a sinfonia

o clarim deste epílogo.

Meu espetáculo foi derrotado

eu mesmo o feri de morte.

Não quero reviver os bastidores

nem juntar os pedaços da porcelana despedaçada

de todas as vãs esperanças.

Não sei como subjugar o curso desta lógica fundida

em sangue derramado nos altares da inconsciência.

Peço agora o conforto do pano branco

a cair

final

sobre a orientação dos meus sonhos.

alexandre gazineo
Enviado por alexandre gazineo em 12/06/2007
Reeditado em 06/07/2012
Código do texto: T524036
Classificação de conteúdo: seguro