Suspiros obscenos na madrugada
Suspiros obscenos irrompem na fria madrugada.
O inquilino, homem reto como uma porta preocupa-se
com o comportamento que pode estar se enraizando
no seu querido condomínio. “Teria o vizinho de cima coragem
de pisar a dor da esposa que viaja
pra cidade natal?”
Soluços loucos de vontade, gemidos gélidos
em busca de saciedade causam
tremores repentinos. “Quem
seria louco o bastante para zombar da
dor da amada, através do ato mais
repulsivo pra se praticar fora do sagrado casamento?”
Passa-se a noite em gemidos e suspiros.
Nem o próprio demônio seria capaz de emitir gemidos tão
obscenos e causadores, por certo, de sofrimento e
pranto da esposa inocente.
Amanhece. A noite vai embora talvez com vergonha dos
gemidos e suspiros que, de certo, acordaram
toda a vizinhança. Sem pregar os olhos, o inquilino vai ao síndico,
andar de cima e fonte dos gemidos eróticos
que duraram a noite toda. Estufa o
peito e bate a porta.
Abrirá com certeza a porta com sorriso
maroto. Fez para todos verem
que não estavas mais perdido na sua
viuvez momentânea. Escarnecerá ou negará? Não
importa.
“Ah! Ouvirás poucas e boas, vou mostrar
como a moral e os bons costumes podem, enfim,
resolver as mazelas do mundo. Tirarei o sorriso
de escárnio de seu rosto senil entregue aos
prazeres da vida, nem que seja a pancadas!”
Abre-se a porta e assusta-se o inquilino com
o que vê: tal qual máscara mortuária que impede o queixo de
cair, o síndico traz no rosto bandagem assustadora.
“Pois não?”
“Desculpe-me, vizinho, vim apenas me solidarizar com
sua dor de dente.”