Consciência corporal
Que legitimidade teria um coração latejante, se este não bombeasse para os vasos sanguíneos versos munidos de afeto? Os dedos, se estes não fossem capazes de identificar a textura de um corpo excitado; ou o olfato se não conseguisse diferenciar um bolo de fubá feito em casa de vó, de um perfume cítrico pedindo um cheiro?
Imagine nós, humanos, sustentados por músculos, mas sem nenhum estímulo; pessoas que nos fizessem correr interruptamente, ofegantemente a fim de, no final desta maratona, sermos afagados por braços acolhedores. E, tenuemente a este pensar, a musculação pode ser encarada como um exercício de fortalecimento da coragem. Afinal, é preciso força para se deixar levar ao encontro de alguém.
Dizem – e não discordo – que a boca têm funções biológicas. Ora ela integra o sistema digestivo, ora trabalha em prol do sistema respiratório, realizando trocas gasosas. Mas me parece que a sua verdadeira função substancial está em se juntar à outra boca, em movimentos suaves, formigantes; intensificando sua cor rosada – não é à toa que as cores quentes são estimulantes e comumente relacionadas à vitalidade.
Sobre a pele, esta dispensa qualquer análise poética. Sua função orgânica é a de ser mãe, nos proteger das intempéries externas. Mas ela também possui a maestria de se arrepiar, toda ardilosa, avisando que algum sentimento bom está para habitar em nós. Para que se manifeste, a pele não precisa de contato tátil. Ela é, mais do que sensorial, sensitiva.
Quanto ao cérebro, só resta dizer que ele é emotivo, mesmo que se assemelhe a um algoritmo condicional tendencioso. É ele o responsável por administrar as nossas lágrimas. É capaz de reconhecer quem se deve acarinhar ou a quem um aperto de mão é o suficiente. Ele sabe exatamente quais lembranças nos fazem desmoronar e aquelas que nos injetam doses inebriantes de ânimo. Identifica amores e logo ativa o modo “brilho nos olhos”, moldando no rosto um sorriso manso, nada linear.
Pois bem. Diante de tantas elucidações, que chegam a contrariar a cientificação, a vitrificação e a maquinização da carne, que imperam nestes tempos boçais; ainda assim, é válido aventurar-se a uma conclusão. A Medicina pode até alegar que todas essas sensações são advindas da ação das tais “adrenalina”, “oxitocina” e “endorfina”. Mas o que importa? O fato é que em cada alma tem um corpo perdido, brincando de se descobrir.