Cheiro de chuva, mudança de lua
Mas uma vez a porta volta a me incomodar! Ai, por que não coloca óleo nas dobradiças? Custa fazer essa caridade? Ai, o barulho dos ferrolhos ferroa em mim a minha dor e eu já ia cuspir, mas fiquei com um atordoamento que a saliva voltou e ficou aqui empoçada, aqui no meio de minha garganta e já nem lembro se a lua é a mesma ou se já faz tempo que durmo e nem vi o tempo passar. Descasquei as batatas enquanto ouvia o rádio e um frio danado me fez entrar para dentro de mim tão ligeiro que nem sei se coloquei para assar o bolo de batata que você me pediu! A porta fechada e minha claustrofobia. Tenho medo de olhar pelo buraco da fechadura porque o mundo de fora me apavora e tenho medo de ver o que não quero ver. Tenho medo de saber da infinita dimensão da vida e enquanto neblina lá fora, prefiro sentir apenas o cheiro da chuva. Me faz pensar em ontem do nosso passeio de carroça e da terra que plantamos sementes de sombras futuras. Ai, alguém pode trazer um pouco de luz, está escuro e nem consigo mais ouvir a frequência do rádio,mas lembro bem da voz oculta do locutor falando meu nome bem falado e me mandando aquela música de ontem... Ontem eu lavei meu cabelo, prendi e pus uma rosa daquelas que você tanto gosta e me pus a esperar como sempre, como sempre eu não me lembro do final da noite, estava escuro como agora e, ai, alguém fechou mais um ferrolho da porta! Alguém pode molhar os meus lábios, estou morna e tanta gente de ontem ao meu redor! Vejo todos e quase nenhum me dirige uma palavra, ai, minha claustrofobia! Para onde vocês estão me levando, a noite está fria e nada foi combinado, odeio improvisos e surpresas, espera, alguém tem um espelho? Sinto meu rosto pálido e um vidro em mim que não me deixar respirar. A porta, o ferrolho, esse rangido, por favor...