Feito Roupa
A vida não é uma montanha-russa como dizem. A vida é como uma roupa. Pode estar suja, limpa, em foco, atirada ao chão; veste-se-la, troca-se-la, vende-se-la, mas, sem nós, ela nunca está cheia, ou melhor, preenchida. (Mesmo conosco os buracos permanecem, veja-se as mangas, a gola, etc.)
Quando dela se fala a outrem, pode-se descrevê-la diferente de como de fato é, pode-se ela narrar como se queria, invertendo cores, inventando cores, sentindo as coceiras e pinicadas que só se sente quem a veste, as sutilezas que escapam ao se vê-la por fora.
Pode-se mudar dela a cor com uma boa e forte dose de tinta, pode-se descolori-la, levando a cores mais básicas, tons diferentes, pode-se deixá-la multicor, mais que um arco-íris, ou fazê-la monocrômica.
Até rasgá-la se pode, num momento de ímpeto e jovialidade, de sangue quente e punho firme, ainda que a prudência da existência do inverno advirta-nos a não o fazer, posto quando vier – sabemos, virá, sempre, novamente e vez mais – ela não nos servirá a suportá-lo.
Que os furos e rasgos feitos nela sejam aprazíveis por ora, compreendo, contudo há quem a prefira inteira, íntegra, única e una, favoritismo firme e fixo por cor e formato. Insisto, de novo, ela retém, de toda forma, os buracos de encaixe, esses vazios tão presentes.
Portanto e tanto mais concluo, a vida é mais uma roupa (ou muitas, ou nenhuma, estar nu é também estar em roupa de pele, em roupa pela ausência da roupa) que uma montanha-russa. Agrada-me mais que assim seja, penso.