Estranho jeito de ser
Deixo correr solto todo o meu desassossego, empilho os vinis na discoteca, ponho algumas flores no vaso, varro a poeira dos meus olhos e me deixo livre para pentear a franja da fronha da almofada da cadeira de encosto que descansam meus pés descalços. Olho para o vento que vem sem pressa e me traz calor, percebo que não ficou do jeito que eu queria a arrumação da sala porque os móveis permanecem mudos e as cortinas desgastadas, mas vejo depois de tudo que o gosto do suor sentido de leve no instante em que nossos corpos se esbarraram ainda permanece molhada bem aqui, assim mudo o outro lado do disco e aquela música me faz bailar na necessidade emergente em mim de dizer: Seja feliz! E sou tão sem atenção ao ponto de nada dizer do nada senão da vontade que tenho de mais uma esbarrada, de ficar cara a cara e sentir seus lábios a invadirem os meus. Mas a condição de ser eu na estranheza de hoje, apenas o desassossego de querer ser se faz em mim o que sou ou o que talvez nem seja porque nunca sei quem é na verdade o princípio de tudo... Sossego o facho quando salto de dentro do ovo, quebro a casca e me sinto emplumando as minhas asas: Seja feliz! E sou a espera da surpresa de te ver chegar em cima da hora que marcamos. Saindo do sono pela batida na porta, desconserto o eu de mim e descubro que adormeci no balanço da cadeira enquanto rolava aquela canção de há dias que já não a ouvia. Desassossego do verso arranhado dizendo: Seja feliz! E sou a falta de consciência de encontrar a felicidade de olhos abertos. Abro a porta e você me invada sem ao menos lavar as mãos e passar óleo no cabelo. Cara a cara nos cumprimentamos e sentamos calados para depois debulharmos o silêncio trazido pelo vento quente e mesmo assim, com tão pouco, somos felizes.