PELA NOITE DE MAR ABERTO...

Ainda era bem cedo quando eu me sentei ali.

Abria-se a minha alvorada e as gaivotas, pássaros de asas longas que conquistam todos os espaços, já haviam alcançado o horizonte quando eu mal acabava de ali chegar.

Tudo me parecia um esplendoroso milagre.

Pela primeira vez senti a textura da areia que a mim chegava dentre as ondas quebradas, as que inundavam os meus joelhos ainda tenros de caminhadas, onde pude sentir os vários cristaizinhos brilhantes despreendidos da água mas que rapidamente se soltavam por entre meus dedos encantados de criança e dali se iam de volta ao mar do extato lugar em que a maré cedia espaço a me deixar algo do cenário solidificado, qual uma página infinita, para que qualquer poema da vida pudesse ser ali grafado com todas as letras.

A praia, eu não sabia, era um livro de histórias a se escrever, algo que eu desconhecia porque a ninguém foi dado o dom de desvendar os caminhos, tampouco os mistérios contínuos e escondidos das ondas que vêm e vão.

O sol já se insinuava no horizonte como um deus de luz a revelar toda a sua criação e decerto que meus olhos se abriram enfeitiçados pela beleza prima da luminosidade dourada que sempre afugenta mesmo as escuridões ainda desconhecidas pelas retinas da vida.

Em segundos , já em revoada, mais gaivotas algo sopranas eclipsavam aquela virgindade intacta e deslumbrante e lá longe pude avistar uma vela pequenina a tremular o seu destino na imensidão infinita.

Senti um arrepio mediúnico.

Lembro-me que as ondas me chegavam sonorizadas, dum timbre inconfundível, a me instigar todos os segredos da imensidão do oceano algo apenas tangível nas praias, mistérios inexplicáveis das forças que pulsam nos movimentos, os mesmos de toda extensão do tempo, a me fazer viajar ao futuro das embarcações que levantam velas e apenas seguem, sem bússola definida, sem carta programada.

O tempo, então, ara o tempo!

Quando se é criança o tempo é apenas o interstício repetitivo que se observa entre o sol e a lua, dois astros infantis que brincam de esconde-esconde sem nunca se encontrarem.

Depois desconfiei que o tempo pudesse ser o meu mar.

Não me lembro bem, mas ainda hoje sinto que ali adormeci.

No meu sonho segui pelo tempo, interminável e surpreendente, a caminhar pela praia, caminhei muito, muito mesmo, e dada hora, com um graveto seco e dormente, descuidadamente iluminado e inundado de poesia sob os flashs duma lua cheia, desenhei um coração infantil de traços tortos e nele escrevi um "eu te amo para sempre", aquelas bobagens de criança que nos fazem sorrir ao delas nos lembrarmos tempos depois...

Ondas apagam todas as inscrições deixadas no tempo das areias.

Andei...andei...andei muito por toda aquela praia de mares imprevisíveis, pelo infinito dum tempo ditador, contando cada estrela do céu.

De repente uma delas se desequilibrou e caiu sem que sequer eu tivesse chance de segurá-la e depois, muito tempo depois, um poeta musicou seus versos com a história da vida duma estrela do mar.

No meu ainda coração de criança, quando ouço aquela música, sei que me revela a poesia de vida da minha estrelinha que despencou lá de cima, naquela nossa noite de mar aberto, sem que eu sequer pudesse socorrê-la.

Lembro-me também que segui cuidando do céu, como se pudesse segurar todas as estrelas prestes a cair, e depois da extensa caminhada ouvi que o mar falou comigo, porque decerto sentiu o meu cansaço.

Ele me ensinou que não se deve questionar o vai- e- vem, aparentemente sem sentido, de todas as ondas do mar.

Aprendi então que natureza é sábia, conhece e ouve toda a emoção despreendida nela...e por ela, e devolve tudo ao seu devido lugar, qual o mar, que devolve o que não lhe pertence mas vem buscar de volta o tudo que é seu.

Obedeci prontamente às ordens do tempo embaladas pela mão tão acolhedora do mar, sempre o mesmo, mas paradoxalmente um senhor de movimentos algo alheios às transformações das praias.

Vencida pelo sono, então me deitei sobre a areia dentre a musicalidade das ondas sempre resilientes, as que ainda me chegavam qual uma suave canção de ninar.

Quando acordei...já era tarde demais.