QUANDO LÍVIA APARECEU PRA MIM
Quando Lívia apareceu pra mim, foi como se tudo tivesse feito sentido ali, naquele instante. Do susto, da euforia, do saber lidar, do aprendizado. Do não interferir naquela loucura tenra, nem mexer com aqueles brios quase selvagens. Ela tinha que se deixar e, eu, deixa-la livre.
Quando Lívia apareceu pra mim, as coisas começaram a andar. E desandar. A ser e a não ser. E tudo, então, nasceu, na mesma medida em que, instantaneamente, morreu.
Quando Lívia apareceu pra mim tudo virou confusão. O som dos pássaros parece ter crescido, as cores das ruas parecem ter ficado mais vibrantes, o barulho dos carros, mais ensurdecedor e a música que toca parece ter se tornado um sibilo.
Claro mesmo, só se ouvia a voz de Lívia, porque, depois que Lívia apareceu pra mim, só seus olhos viam, só sua voz falava, só seu sorriso iluminava, só seus cabelos coloriam.
É que quando Lívia apareceu pra mim, foi como se uma aquarela de sentimentos e sensações se espalhasse sobre a paleta cinzenta. E por mais que algumas pinceladas eventualmente saiam do tom, a obra pretendida se mostra perfeita, pela sobreposição de suas imperfeições.
Até porque, quando Lívia apareceu pra mim, sumiram-se as telas, os esboços, as tintas velhas e os modelos gastos.
Quando Lívia apareceu pra mim, foi como recomeçar o que nunca houvera, de fato, iniciado. Foi esquerda e direita. Vitória e fracasso. Foi e não foi. A vida e o medo da morte.
Porque depois que Lívia apareceu pra mim, só Lívia ficou. Não apareceu mais ninguém.