UM DENTRO DO OUTRO

Tu és, em verdade, a amada encantadoramente louca que todo o poeta deveria encontrar. Eu tive esta graça e agradeço ao Absoluto, pois me faz tanto bem. Sim, às vezes tu oprimes e põe em mim o ovo da dúvida, o pagamento do preço do fuxico, do tempo gasto, do nada que possa representar o sexo frente ao amor que sentes e com o qual me rejubilas. O que parece aconselhável é que sejamos inteligentes para, mesmo que “não sendo imortal posto que é chama”, sejamos fazedores das horas boas, sem deixar que a loucura do momento comprometa a liberdade do outro, o qual a nada está formalmente aprisionado. Em sendo diferente, a opressão se instaura e é o começo do fim. Que toda vez que nos encontremos seja sempre assim: que o corpo fale a sua brevíssima linguagem e que nos fartemos um com a presença do outro, ficando sempre o jogo do amar como uma joia rara que os outros pressintam, mas não saibam bem qual a profundidade do poço onde ela dorme. Que aprendas a conviver com o que está posto, porque és um velho vento novo, que agrada quando o sol está forte, mas pode ser incômodo quando a invernia se instaura, e fecha a garganta pelo medo de dizer palavra. Que nos possamos fazer fortes para o day after, porque ele sempre vem com sua aura de aparências, mas nem sempre dormiu bem e ao gosto do seu corpo. Cuidado, que nele pode estar endeusado o dragão com sua flama que a tudo chamusca. Prefiro-te gaivota sobre as águas, sempre livre e aprendendo o voo em cada dia em que o (meu) espírito se escafede e se exaure na Poesia, extenuado de vontades, pois a língua de fogo da possessão e da dúvida sempre me chamusca e fere. Todavia, o nosso amar não nasceu para o mal, que pode destruir até os fantasminhas das costumeiras ausências a que nos damos ao luxo de revelar. E, por fim, que tal a gente se esconder um dentro do outro?

– Do livro POESIA DE ALCOVA, 2014/15.

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