SEMENTE DE CAMPO E MATO

(cantando o bairro Passárgada, que o povo de minha aldeia apelidou de “Bazarca”)

Os olhos de campo e mato estão povoados de bem-te-vis, quero-queros, canários, corruíras, joões-de-barro, sabiás, pardais, butiás, pitangas e araçás. Tudo em volta é canto e alegria silvestre.

Sempre que penso em tango nesta ansiedade de curioso aconchego de ambientes, o corpo balança e os dedos acariciam o bandoneon como a tentar copiar a solidão de dentro, enrodilhada num ninho de pasto, afogada a nostalgia no dourado dos girassóis agrestes, no verão.

Sempre que me achego pra beira do arroio, a barranca me parece insegura e o açude olha-me distante com seus olhares tortuosos de ventos, capim, juncos e jundiás glutões de insetos. E coaxam guturais os sapos e as rãs da infância.

Uma alva garça de longo bico há um eito roubou-me da água placentária e lançou o corpo nu à margem: um pau-de-enchente sempre pronto pra colher o bater de asas das cegonhas, socós, garças pernaltas e juritis.

E nunca mais o enviado aprendeu a trocar lágrimas nas retinas. Agora, neste Passo pertinho das dunas, trago vento e areias beduínas e nunca mais tive pouso. Palavras estão prontas para o bico dos pássaros e o estômago frugal dos peixes em cardumes marinhos.

O mate-chimarrão amansa o espírito no lusco-fusco da Ave-Maria: o campo desce dentro de mim adoçando doces lástimas. Uma estrela xirua bombeia do alto o capão de mato que esconde os pirilampos e a mim – vaga-lume aflito de tanto vagar e acampam na pele num concílio de ausências e sons noturnos.

Era tardio demais para chegar ao rancho com fôlego. O Absoluto colocou a cruz de pau tosco sobre o campo santificado. Desde então sou semente. E fico à mercê das aves de arribação, tentando ainda ser raiz.

MONCKS, Joaquim. A MAÇÃ NA CRUZ. Obra inédita, 2021.

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