O CORPO FERMENTADO
Enquanto me recomponho, à alta madrugada, discretamente muda a fronha do travesseiro de intimidades, para que não se transfunda o olor depositado na pele, e o pão, incapaz de fermentar, nasça ázimo. Nada além do que tempo e vozes à janela do dia. Se ainda restar dois dedos de trago na garrafa, deita-me o vinho, assim devagar, entornando o mosto das sobras num canto da boca. No outro, engolirei tuas ausências. Retorceremos então o rosto e corpo, também ázimos de carinhos e sensos. Atenta bem para o Absoluto: diuturnamente o sol anoitece sua luz tonificante. A claridade está abrindo a porta do dia e o vento pode estar à espreita. Penso em voz alta: bem que poderíamos, em plena inocência de corpo, haver dormido de conchinha. Por sobre a cama vazia, nada além do que o duro tempo. Ouço vozes amassando o pão adormecido...
– Do livro POESIA DE ALCOVA, 2014/15.
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