MORTE-VIDA
Se um pouco mais de sol acordasse-me ali,
esquecida entre alvos lençóis,
escreveria outras letras...
mas cochilei, quase dormi diante das dores,
esperneei entre muros rosados,
perfumosos, invadidos por beija-flores que amam o doce de minha oca.
Por isso escrevo o que escorre em minha face.
Tudo desmorona; tudo desmoronou-se, até as pedras dos caminhos e há um alívio que rola salgado dos olhos d’alma.
Há algo escondido na fundura das raízes!
Não sinto só por sentir.
Sinto porque ouço das areias, sons dos desertos sob meus descalços pés.
Sinto porque toco estrelas, aquelas mais distantes que me separam dos vagabundos; com eles viveria arrulhados cuidados, sono debruçado nas sarjetas em colos e olhos nus.
Se um pouco mais de sol acordasse, me castigaria, arrotando no nariz das fechaduras, trancando portas, gavetas, agitando, resfolegando cansaços, respingando suores pesados intercalados com suave vento Leste......
Nos beirais,
araras serenadas esvoaçam folhas da sete copas e deixam vaidosas penas multicores, anunciando ninhadas novas pertinho das nascentes aos pés dos buritizais.
Vivo momentos atravessados pelo fogo ardente da purgação, são infindáveis!
Vivo agora, numa morada sem nome: nem oca, nem lar...vivo na orfandade.
Vivo porque bebo do luar! Vivo num riscado sem riscas, uma comédia humana, tentando acertar o umbigo dos famintos como estou.
Amanso a Morte-Vida.
Fecunda semente, liberta, encorpada, saboreio e embalo a formação........
Brinco com bichos, vermes e pássaros.
Se úteis forem, distribuirei grãos de meu alforje, enquanto assombrarem reinos rotineiros, abrindo passagens por veredas, por engenhos que assopram cascas, debulhando sua solidão que nada mais serão que adubo e novo broto.
Agora, estou milagrosamente no Deserto da Vida, no útero da Terra!
Sou filha da filha, da filha e apesar de vir do passado, acabo de renascer.
Cega estou.
Ouço espasmos e bato à porta do escuro.
Sincera broto.
A pedra tumular que ficou lá atrás, traz encantamentos de fundas raízes, vontade de tronco, sobrevivi.
Cada dia mais só!
Dei seios,
Vesti -me de algodão macio da terra,
De meus lábios palavras doces derramei
Cantei incansavelmente,
Dormi algumas horas por noites e vi vicejar a fragilidade do existir.
Amparo-me em um pouco mais de sol, amparo-me ouvindo jocosos apelidos.....milagres verticais!
Agora estou melodia multicor, abraço enrodilhada incensos e altares.
Busco caravanas poéticas, farturentas, um roçado simples, polinizado, vigilante, generoso, irmanado de despedidas.
Nada sou.
Despedi-me da casca da Vida.
Levanto-me, abro janelas, ajudo a mó no terreiro, renuncio aos agarrados.
Espero e para acertar abro tapetes de flores levinhas......
Lavo e varro chão, intimidades inúteis, quebro férreo ranço que marcou o correr de meu rio.
De que vale ser irredutível no momento insone da vida irreverente?
Leveda confiança faminta e aponta pólen...
Vida renova-se apesar do choque.
Rompem-se os nós.
Tudo vai se apagando.
Morte-Vida confessa Solidão!
Arana do cerrado