O AZUL DOENTE

Caminhava absorta em meus pensamentos. Via pessoas passando. E foi assim apressadamente que eu vi aqueles olhos: feios, horríveis, medonhos, apavorantes mesmo. Pertenciam a um homem de meia idade. Parecia desconfiado ou perceber que alguém o observava. Esqueci um pouco meus próprios pensamentos e encarei-o. Encarei-o de verdade. Com firmeza. Mas não consegui por muito tempo. Como eram feios! Agora calma, pude perceber que apenas um dos olhos era defeituoso. Era feio, horrível medonho... Uma película que saltava da pálpebra possuía uma cor acinzentada e o aspecto de carne apodrecida o fazia parecer mais horrível ainda. Na parte inferior daquele monte de carne deformada dava pra identificar um azul doente. Encarei-o outra vez. Ele me viu. Senti o sangue ferver quente nas minhas saltitantes veias. Um calafrio tomou conta do meu corpo. Ele me via. Ele me via com o olho sadio, mas o pedaço de carne deformada me olhava. Tentei desviar meus olhos do dele. Não consegui. Ele me olhava, talvez na tentativa de entender o porquê de eu querer vê-lo. Mas era uma resposta difícil, pois até eu mesma ignorava tal resposta. Por que será que eu o vi? Ele me olhava. Eu o via e ele me olhava. Eu me olhava. Olhava pra dentro de mim. Quantas coisas eu deixara de olhar porque só tinha tempo pra ver? De quantas carnes deformadas eu tinha me enojado sem ao menos olhar por trás dos azuis doentes? Eu me olhava e me enojava. A carne podre estava dentro de mim, O azul doente era eu. Trêmula e corajosamente eu me encarei. Eu o encarei. Ele ainda me olhava. Seus olhos agora eram tristes, amenos. Eram verdes, verdes, verdes... Finalmente eu não apenas o via. Eu o olhava. Nós nos olhávamos num mágico encontro de olhares verdes.