OS CABELOS DE MILHO

A tarde calma estendia sombras enormes no quintal. Ocasionalmente o vento bulia com a água abandonada no tanque de cimento, rodopiando pequenas ondas circulares como restos de sonhos, que iam e vinham, balançando as folhas amareladas que caíam na água e saíam a flutuar como barquinhos de papel.

Por cima do tanque havia uma latada onde se enroscava um magnífico pé de maracujá, já todo carregado de buquês abundantes de flores que, anunciando seus frutos, era constantemente visitado por abelhas, borboletas e buliçosos beija-flores.

Os raios de sol já amarelados, reverberavam nos tijolos adormecidos, riscando desenhos inconstantes que brincavam de esconder.

A brisa vespertina entrava escancarando as janelas, batendo nas portas, estilhaçando os potes de vidros na penteadeira, folheando livros e jornais velhos, estufando cortinas, abrindo panelas, invadindo a intimidade da penumbra das alcovas, fazendo o portão de ferro gemer nos gonzos, e logo depois abandonando a casa pelas frestas do telhado, por onde entravam raios de sol do entardecer.

Era já quase noite e o velho de cabelos avermelhados, adoecido já há vários meses, no quarto, prostrado com uma dor descomunal, sorriu consigo mesmo com o atrevimento do vento.

Debaixo das cobertas que tinham cheiro de cânfora, viu o sol se avermelhar por detrás da serra e ouviu o coral de andorinhas cruzando o céu ainda quase azul.

Levantou-se da cama, com dificuldade, como não fazia há muito tempo. Estalando o velho esqueleto combalido, soltando um suspiro de muitas noites mal dormidas, lembrou de Pessoa: “uma insônia da largura dos astros e um bocejo inútil do comprimento do mundo”. Então, saltou pela janela aberta como se fosse ainda um menino.

Sentiu a terra frouxa e morna sob os seus pés descalços e fincou-se ao pé de um abacateiro, experimentando uma vertigem alucinógena, como se estivesse em alto mar. Depois que o mundo rodou sobre ele, aprumou a vista cansada ao longe, onde se podia ver o imenso milharal.

A lua já prateava o campo, a noite já se estendia sobre tudo, cobrindo as estradas, escondendo casas, muros, mourões e serras.

Já estava escuro quando o velho adentrou-se no meio dos pés de milho, cujas espigas já soltavam os seus cabelos vermelhos ao vento, como se fossem os cabelos dele.

Nunca mais voltou.