Folha branca
Tivera um dia feliz, com almas maravilhosas - aqueles que o amavam; aquela a quem amava.
Como outras vezes o fez, o poeta sentou-se no jardim, olhou as estrelas e tomou uma pena banhada de versos que ainda nem conhecia.
Deslizou sobre a folha branca e manchou-a não de tinta, não de letras, mas de poesias.
Tivera um dia rude, não vira ninguém que sorrisse - um rosto amigo. O dia voara sem que se visse.
Como outras vezes o fez, o poeta deitou-se em seu leito, agarrou uma pena de tinta pesada, que não lhe trazia o momento, fugia-lhe o pensamento.
Arrastou sobre a folha branca e manchou-a de tinta e de letras, versos vagos e abstratos, o mais confuso dos sonhos de que de um final se priva.
Tivera um dia sereno, livre de apreensões. Colhera doces frutos, dançara (sorrisos!) à brisa.
Como outras vezes o fez, o poeta assistiu ao pôr do sol, rubro entre belas nuvens corais, recebeu uma pena que veio com o vento.
Resvalou sobre a folha branca e cobriu-a de magia, encantos, segredos, contos fantásticos, histórias, fábulas.
Tivera um dia tristonho, partidas e adeuses houveram. O dia seguiu solitário, arrependido, contrariado.
Como outras vezes o fez, o poeta recolheu-se em seu canto, mirou seus olhos vermelhos e arrancou uma pena seca.
Arranhou a folha branca e, por mais que ali escrevesse, não traduzia com letras, palavras ou tinta o que o coração transbordava.
Tivera um dia atroz, repleto de brigas, guerras. Como outras vezes o fez, o poeta fugiu
para o campo e, na relva, sacou sua pena carregada de injúrias e mágoas.
Feriu a folha branca, varou-a com letras malditas, palavras pungentes, desastres tragédias.
Tivera um dia enfermo, ausente de força, vida.
Como outras vezes o fez, o poeta curvou-se em preces e, de joelhos colados ao solo, suplicou salvação.
Entrementes, tomado de pena como que benta, batizou a folha branca com louvor, fé e orações.