Aquelas noites
Fecho os olhos e o arremate dos entardeceres ainda cintila no peito aquelas noites que entre nós havia palavras e o silêncio era um fosso profundo, aquelas noites em que nossas vozes se bastavam por dentro do sonho de um sono de espera na certeza do encontro, por onde o perfume das horas prometiam entrega e as poesias tinham significado e cor. Deseja-me! Fecho os olhos e as noites se foram, fecho os olhos e ouço o vazio preenchido de indiferença, e as palavras de súbito escapam por entre impiedosas reticências sorrateiramente encravadas no meio do vácuo, num silêncio sem estrelas, por onde desde sempre te esperei tecendo pontes e caminhos, no mesmo lugar onde vesti-me de flor e debruçada no parapeito da janela que me levava a intimidade da tua janela chegávamos a nós como dois náufragos sem ilhas. Abro os olhos. Abro os olhos e devagar o mar revolto murmura inquietação em meus passos, abro os olhos e uma brisa fria anuncia a chuva e a espada me abate com o prenúncio do inverno e eu que me entrego à beleza das estações abro os olhos e dos teus olhos nos meus a maré vazante e esse olhar que nunca fora só meu.