Carta a Kerouac
Queria ter o fluxo de consciência espontânea que vaga pela sua mente, as vezes eu quis ser esse místico santo errante que subia as ladeiras de uma Frisco banhada pelo triste poente primaveril ou ter a incoerente certeza que a vida está pulsando em corredores-fantasmas moldados pelos ásperos campos secos de algodão em Sabinal, mas não sou você e não vi o que enxergara, não sou o que fora, porém, basta saber que além de toda distância temporal que rasteja numa cama invisível na infinidade onde todos deitam e sonham parados nas grandes faixas de terras tão perfeitamente irregulares que separam vidas, tenho a certeza que eu pego fogo, escrevo e persigo os loucos, salto em caronas por estradas sinuosas e -já que não sou você - fique sabendo, onde estiver, meu amigo-inspirador-conselheiro, levo-o comigo em cada cabine de caminhão sujo nesse país latino onde todos somos americanos, somos gentes gentis descobrindo o que ninguém ensinou, onde e aonde nem todos vão e, graças a ti, kerouac, eu não preciso ser você, posso ser um "dos pinos redondos nos buracos quadrados" por minha conta risco até que minha carcaça cansada caia de joelhos nessa jornada sem ponto final em qualquer paralelo ao sul do Equador.
Um feliz aniversário atrasado, ó rei das caronas.