Enfrentando o amanhã
Explodem foscos por trás das nuvens carregadas os raios da aurora. Um novo dia foi anunciado desde o início do tempo. Ilumina o mesmo chão para sempre. Que força descomunal nestes raios que trazem boas-novas! Se eu olhasse bem para dentro de mim ainda ouviria os soluços de outras eras? Se eu mergulhasse na nuvem rósea da manhã estaria enfrentado o passado ou o futuro? Percebo, atônito, que cada passo é uma luta e o peso do meu corpo magro é peso de todas as más escolhas de uma vida. Ó, vento que me golpeia com furor atrofiando-me a esperança num hálito gelado, golpeie-me ainda mais forte! Eu sinto o cheiro de uma manhã antiga e rejuvenesço dez anos. Eu penso em mim e sobre mim por isso sobre mim jaz, pesada, uma armadura de concreto. Me protejo, mas não ando. Desfaço-me da armadura, ando e me desprotejo. A chuva arrebenta as calçadas e abre caminhos para meus pés. Explode ainda a aurora numa combustão silenciosa e funérea. Eu sinto o cheiro de flores de calçadas. Eu sinto a vida. É uma espada ou uma lança ou um revólver isto que tenho em minhas mãos? Tantas vezes me feri. Tantas cicatrizes. Vou atacar, enfurecido, a aurora. A cada golpe nos algodões cor-de-rosa do firmamento tremem as estruturas da Terra e da minha vida e de suas feridas jorram o leite e o mel que caem com estrondo sobre as colinas e as favelas, alimentando cada pequeno servo de Deus. Dez anos no futuro e ainda não sei qual é a minha aparência.
Que sentimento é este filho do medo e da glória?