Cinza
"Deus disse:'Que exista a luz!' E a luz começou a existir. Deus viu que a luz era boa. E Deus separou a luz das trevas."
Falácias elevam a luz perante as trevas, tornando-a sempre boa e palpitante. Tornam-na o esclarecimento e a própria verdade. A ordem, em meio ao caos. A potência eterna, fonte da própria vida, berço de Deuses e heróis. O início, meio e fim, existente por si só, uma essência independente.
As trevas, no entanto, se perdem em meio a tanta luz. Maldade crua, a ausência do bem. Infernal e pecaminosa. Uma pequena trilha, imersa em névoa, ungida em mistérios.
As trevas não existem sem a luz, mas tão pouco a luz existe sem as trevas. A luz gera trevas, trevas que cobririam tudo sem luz, tal como cobrem tudo que a luz não toca. Sombras sublimes, não feitas de ódio ou simplesmente por ausência de luz, sombras feitas para que a luz resplandeça e se expanda as suas custas.
Seres altruístas, as sombras. Ignoradas, condenadas a vagas esquecidas, só lembradas quando se levantam. Não atrás de luz, para compartilhar dessa vantajosa iluminação, mas atrás de reconhecimento. Por elas corre conhecimento esquecido, descartado, imensos oceanos de erros, acertos, falhas e vitórias. Cansado da cegueira dos iluminados, a escuridão tenta engolir a luz, de forma desesperada, violenta, acabando sempre ofuscada. Queima-se então, na chama branca da chamada "verdade", os bastidores. Agora, quem sustentará o palco da clareza?