Esfera



O silêncio passeia pela casa enquanto ela passeia pela noite que vai alta. Do alto ela observa os prédios que arranham o céu onde há a promessa de um amanhã instável. Na certeza da dúvida ela pensa no tempo e no seu olhar alguma coisa brilha, faísca de um corpo metálico que atravessa a vidraça do seu pensamento.
Pudesse alcançar essa ponta de uma luz qualquer que a levasse prá longe, além dos prédios que cercam seu mundo, limitam seu céu, e respira fundo todo esse ar que pressiona o seu mundo, a sua esfera.
Lembra de quando era menina e aconchegava em si mesma e tudo em volta crescia ao mesmo tempo em que tudo lhe cabia nas mãos apertadas contra o peito. Introspectiva varria tudo prá dentro de si e guardava cada pó de ilusão. Quantos sonhos lhe couberam nas mãos. Quantas vezes a palavra “não” gritou aos seus olhos como numa cena muda, gestos e bocas ao vento. Ela acatava as ordens da vida, pela sua esfera via tudo passando lá fora, inclusive ela. E quantas foram as vezes em que perguntou prá onde ia, mas os olhos assustados não tinham resposta.
Ela própria era o seu maior mistério.
Enquanto desliza sobre ele a voz do tempo rompe o silêncio num raio, como uma lâmina de aço rasga a nesga de céu entre os prédios, entre seus olhos por tanto tempo cegos, mas não de ver e sim de perceber que às vezes um rasgo é sorte e por ele se alcança a saída.
O tempo fecha ao mesmo tempo em que se abre na sucessão de raios que ela tenta acompanhar com as mãos no ar, como se tentasse alcançar alguma ponta, uma ponta de felicidade possível.
Refletido na esfera seu rosto de menina lhe sorri em todas as idades, pergunta aonde vai, mas ela não tem resposta. Só o que importa é que agora desliza, pelo lado de fora.




( imagem: foto de Stewart Ferebee )