SÓ PORQUE JÁ É TEMPO

Faz mais ou menos três meses que a vida dela mudou e eu já havia programado um texto em homenagem ao seu destino.

É que sua nova situação de vida me toca profundamente...

Eu passava todos os dias pela sua rua e sempre lançava -lhe um olhar rápido sobra sua calçada, a lhe admirar os viços tão jovens, mas naquele olhar limitado, o que a velociade média urbana dos automóveis nos permite lançar com certo descuido.

Só de vê-la saudável já me acalentava o sentido.

Ela sempre estava ali, erecta como uma guarda suiça, na porta da loja, bem na entrada, cumprindo sua missão de encantar e de avivar com beleza a rapidez dos dias cinzas da cidade.

Alguém de muita sensibilidade (pensei) a havia escolhido para que ali ficasse, não imóvel, mas com uma flexibilidade graciosa que crescia cada vez mais a reverenciar às brisas que tão raramente sopravam por ali.

Muitas vezes a vi resistir sob temporais que chegavam sem avisar.

O verão já ia alto, fervilhando no asfalto duro, e como tudo que muda aos rítmos das estações, ela também seria submetida às inexoráveis mudanças de vida.

De repente a sua loja se anunciou em breve liquidação para entrega do ponto e rapidamente fechou suas portas, dentre tantos ocorrido por ali, mais um fechamento refém das crises plantadas.

E assim plantada também num belo vaso verde, depois que tudo se foi dali, ela foi deixada na mesma calçada, abandonada às futuras intempéries do tempo e da cidade.

Mas, forte e corajosa, continuou a crescer no vaso verde e mesmo a sofrer o vandalismo que nada poupa, se tornou uma elegante Tuia Gigante em pouco tempo de existência.

Agora, quando passo pelo seu abandono, enxergo o mesmo vaso da Tuia gigante que ficou para trás abandonada pela ingratidão daqueles que só sabem se servir da dádiva alheia, sem ao menos dizer um "Tchau, desculpe, obrigado".

Hoje vendo uma reportagem do falecido poeta MARIO DE BARROS, o poeta das coisas "DESISMPORTANTES", me inspirei para escrever sobre o meu mesmo sentimento quanto à abandonada Tuia do vaso verde já desbotado, porque decerto foi tratada como muitos o são: apenas mais uma coisa desimportante a ser deixada para trás, sem história e sem registro.

Então, senti que escreveria minha prosa só porque já é tempo...

Retiro meu pensamento inicial: não, quem a colocou ali não era um ser de sensibilidade. Ao contrário.

Era apenas mais um acostumado ser insensível a se livrar das coisas desimportantes do meio, ainda que sejam elas as mais importantes coisas para se adubar a genuína poesia da vida, a que brota dos corações sensíveis e que dão verdadeiro sentido aos tantos caminhos empedernidos.

Mario de Barros, um dia versejou que "é pelo olhar que florescemos".

Decerto que sim...e completo versejando que "não há como viver plenamente sem florescer no olhar".

É preciso enxergar o que é invisível"...também ensinou o PEQUENO PRINCÍPE.

E de certa forma se tornar responsável pelas desimportantes coisas que enfeitam as nossas vidas...

Sem olhar não é possível enxergar tampouco se revelar a poesia potencialmente pulsátil em todas as coisas mais importantes da existência.

Aquela Tuia é uma grande desimportante coisa...foi o que senti.

E é pelo coração que renascemos nas imprescindíveis desimportantes coisas que são as essenciais para o cantar poético da beleza e das dores da vida.

Ao Mário de Barros agradeço por ter me revelado a hora exata de versejar sobre o meu sentimento a respeito da abandonada Tuia do vaso verde, sentimento que é exatamente o dele, uma ode às desimportâncias cada vez mais importantes para se continuar poesia, a que canta toda as essências esquecidas pelo tempo...

Eis a desimportância importante dos versos que nunca deixam nenhuma vida parar no esquecimento das tão frias calçadas da desumanidade plantada.

MAVI
Enviado por MAVI em 28/02/2015
Reeditado em 28/02/2015
Código do texto: T5153266
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