Só não se perca de mim

Introdução

Antes de tudo acontecer, eram as letras os nossos argumentos. Na superfície ficava o conhecimento, profundo apenas eram os sonhos e desejos, que em lampejos iam se revelando. Quando a vi pela primeira vez, desde então não fui o mesmo... Ela chegou timidamente e sentou-se como num encontro, não a esmo, mas tramado. Não havia local mais perfeito, o banco da igreja. Deus faz tudo direito. Senti em meu peito assim como um aperto, alento aliviado era ela de verdade, a poesia que li, o rosto que não vi expressão que jamais esqueci. O que eu tinha a dizer nem importava, só precisava olhar, olhar e ouvir, sentir. Pela primeira vez em anos saí de cena e me fiz ouvinte. Foi quando começou a falar meu coração surpreso, num misto de alegria e comoção começou a ser tomado, total e absolutamente. Sua voz invadia meu ser de um modo que jamais vira acontecer. À medida que contava sua história, seus olhos buscavam o vazio e da memória trazia os fatos que fluíam como águas de um rio. Entrelaçamos nossas vidas pela amizade, vontade e necessidade.

Complicação

Só nós sabíamos um do outro, sem alcunha, ou testemunha, somente palavras, intenções guardadas. Um toque nas mãos, um abraço e um beijo no rosto eram tudo o que havia. Tornei-me seu desabafo, seu ouvido, o seu regaço. E para mim ela foi o chão e a oração, o ar e a vida, e depois de tanta lida à beira da morte, foi ela a minha sorte. Poucos meses, algumas vezes fomos eternos. Insisti, resisti, mas não consegui. A Ironia desfez o que era alegria, pois não foi quem nos uniu aquele que nos separou, foi o anseio de seguir o caminho que ela mesma não havia traçado, seria em paralelo a sua e, principalmente, a minha agonia. Tal surpresa foi sua alegação, demasia sustentar tamanha pressão. Ela partiu para seu esconderijo mais seguro, a minha discrição. Jamais, nem pela saudade ou outra prioridade, eu devassaria a sua razão. Encerrar-se-ia assim o primeiro ato, separar-se-ia como um hiato o que de fato não se ajuntou. Injusto estabelecer relação entre amor e fracasso, embora o amor arranque pedaço, passa-se um traço e a vida infinda, segue agora sem letra, em verso escondida.

Clímax

A dor a trouxe até mim, pôs suas lágrimas em meus ombros. Mas um desejo te levou ao mesmo caminho de onde veio para cumprir seu desígnio de ser esteio. Por anos seu nome ficou repousando ali na caixa de e-mail. O choro trancou teu coração, meu intento, já sem argumento, perdeu a perfeita afinação. Para minha surpresa, certo dia, palavras e delicadeza ela me enviou, pensei: "Meu Deus, que bom"! Enfim acordei, Ela voltou! Havia sete anos sem amizade, sem voz, sem contato, quando novamente me alegrei, afinal, como poderia imaginar que a água do rio passasse duas vezes no mesmo lugar? Não demorou e voltamos a falar das coisas da vida, reminiscências, poesia e todas as contingências...Por justiça quis me contar, embora desfizesse o laço que no passado lhe prendera ingenuamente caiu em outro ainda mais entranhado, que até sua saúde fez despencar. Em meus braços, entre palavras e pranto novamente o destino lhe pregou uma peça, desatino! Por duas vezes o seu coração lhe fora traidor e, depois deste amor, restava apenas a superação com coragem e ardor.

Desfecho

Ávidos, recordamos detalhes, lembrei do seu vestido estampado, o quadro que ela pintou e não chegou a me entregar, enfim, tudo parecia renovado. Os passeios que fizemos, as gargalhadas que demos. A poesia havia retomado seu espaço depois de enfrentar o tempo de anonimato. Por alguns instantes, ela se doou, deixou-se levar pela emoção do reencontro, deitou-se em meu colo, no fundo da alma um grito silencioso, que parasse o tempo, dali nunca mais sair, e do passado banir a tristeza, retomar a pureza que um tudo fazia brotar. Diga o que se quiser, sempre será difícil conhecer o coração de uma mulher. Ao se levantar, olhou no fundo dos meus olhos e cochichou: Você me conhece, sabe como eu sou. Uma sensação estranha invade meu pensamento, seria em vão meu sentimento, fechou todas as portas, vedou todas as brechas e não me deixou entrar! Em que canto largou as chaves que pus em suas mãos? Percebo que, outra vez, pela porta dos fundos foi saindo, assim. Não a entendi, porque desprezas algo tão imenso, faça como quiseres, faça tudo, mas não, NÃO SE PERCA DE MIM.

James Assaf
Enviado por James Assaf em 26/02/2015
Reeditado em 26/02/2015
Código do texto: T5151241
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