[O que cabe no Amanhã]
Cansei de mim, dos meus pensamentos sem direção: vou dormir...
Amanhã cedo prometo dar um jeito de mandar lavar o carro viajado de 2000 km. Mas agora, vou mesmo é dormir.
De resto, sendo impossível subverter o [meu] mundo exatamente agora, às 23h50 de um tedioso domingo, deixo tudo para amanhã... Falo de desconexões assim:
Quem lavaria agora o meu carro?
Quem beberia uma Heineken comigo, e olharia, com profundidade, a rua vazia?
Quem procuraria estrelas comigo no céu de chumbo do Desterro?
Quem me sorriria ao dizer que está sem planos, "por agora", e pode topar os meus, se eu os tivesse?
Quem, carinhosamente, me diria que não interessa saber o que cabe no Amanhã?
Quem, docemente, me lembraria Wittgenstein:
"que o sol se levante amanhã é só uma hipótese?" ou:
"o sujeito não pertence ao mundo mas é limite do mundo."
Ou ainda:
"E não há coisa no campo visual que leve à conclusão de que ela é vista por um olho" --- ou seja: o nosso olhar jamais se flagra no ato de ver, e isto nada tem a ver com inocência!
Quem... quem... quem é mais sem alguém do que eu num domingo à noite?!
Por tudo isso, ou por nada disto, cansei dos meus inúteis pensamentos, e o melhor é não pensar mesmo no que cabe num Amanhã --- de certo, cabem incertezas, uai... espantosas incertezas --- o que poderia esperar o sujeito que é o "limite do mundo", [a curva de rio?] e, com toda certeza, tem seu o olho fora do campo visual... ou, como li algures, tem "o olhar não se vê a ver"? Quem se enxerga? Eu não...
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[Desterro, 23 de fevereiro de 2015]