Cinzas
Não me perguntes o que tenho construído em teu nome, porque só tu és o rio que abriga meu canto, o refúgio das lágrimas que não ouso adiar e todas as sílabas de um poema inacabado que se transformam em destroços. Não me perguntes o que tenho construído sem ti, com esta dor de ausência do que poderia ter sido rasgando o peito como um prenúncio de uma sombra solitária ou de um deserto em que ninguém encontrará o arremate para escrever uma história bonita por sobre a nudez do que somos nós. Por isso, amor, hoje, os deuses não existem e a manhã incendeia como uma fogueira sem luz e os pássaros estão cansados do cinza que se fez o céu. Não me perguntes o que tenho construído para me erguer dos naufrágios por onde precipitei-me sem conhecer teus caminhos, sem saber dos teus sonhos ou o que cresceu em teu peito quando não ousava olhar o teu rosto por sobre as folhas molhadas de um inverno que insiste em chover. É que tua ausência persiste em doer em todas as palavras que aos poucos se esvaem de nós e estendem-se por labirintos do que tu és e que não atrevo-me a saber para não morrer no sonho que não soube edificar dos anseios de nós. Não me perguntes o que tenho construído em teu nome amor, porque tu és o nome de todas as coisas que não consigo ser e uma parte em mim que aos poucos consome a outra parte.