A pianista
Não se respira mais oxigênio, e sim guerra. Há guerra no olhar de cada homem que pega sua maleta para ir trabalhar, no falar de cada mulher lavando e passando roupa, no respirar de cada soldado marchando, de forma uniforme e semblante pétreo, para os braços de Tânato.
A pequenina Mädchen de pele marmórea, cabelos negros e olhos gélidos mas belos como o Mar Báltico, olha pela janela de sua casa.
Desfile de flâmulas e uniformes perfeitamente alinhados.
Preto, branco e vermelho. Santíssima Trindade da era moderna – há até uma cruz! Um tanto torta e diferente das que estava habituada a ver, mas servia bem a seus propósitos. Era até irônico ver soldados tão bem-arrumados marchando entre escombros e fumaça.
Ela cerra então as cortinas e vai de encontro a seu inseparável piano. Seus dedos pequenos e alvíssimos parecem fundir-se às teclas, e sua alma à música que toca. E sorri, plácida, os olhos bálticos brilhando como gelo, os dedos batendo às teclas com toda a delicadeza de seu ser, apesar do estrépito das botas dos soldados em constante marcha lá fora e da constante ameaça de morrer soterrada com seu piano em meio a fuligem e entulho. Se fosse para morrer, morreria tocando.
Nem mesmo uma guerra pode silenciar a música da alma apaixonada de uma artista. Pois, é o que dizem, a caneta é muito mais poderosa do que a espada.
Vai demorar até a humanidade perceber isto, porém.