Quero te falar, meu grande amor...
Quero te falar, meu grande amor... Das coisas que guardei do circo. Do apresentador vestido a rigor, cabelos de pasta, bigodes e terno, fazendo furor: “Nosso circo é o melhor, bem-vindos à matinê! Essssspetáculo de rara beleza, só pra você... Tome já o seu lugar, que o show vaaaaai começar!”
Quero te falar, meu grande amor... Das arquibancadas lotadas, de gente feliz, de criança rindo, de avós e avôs. Ah, e os raios de sol às três da tarde, furando a lona, ardendo em calor. Do menino do pirulito gritando a promoção. Baratinho, baratinho, não perca não! Pirulito de sombrinha, em papel de seda, docinho, docinho, me dá um pouquinho? A gostosura grená grudando no dente, e como era boa a alegria da gente!
Quero te falar, meu grande amor... Do cheiro quente de pipoca, aceso no ar, da maçã do amor, pecado vermelho a se insinuar. Do palhaço de chitão, do trapezista e sua ousadia, do malabarista que espantava, surpreendia. Do elefante capenga, do poodle no banquinho, do pônei ensinado, do arco de fogo e o leão adestrado.
Quero te falar, meu grande amor... Do globo da morte, das motocicletas. Das bailarinas, com peles de meia fina, collants aderentes em formas femininas, cabelos de cachos, sombras cintilantes, lantejoulas e plumas, em ritmos dançantes. Da equilibrista a rodopiar. A bola rolando, como enlouquecendo, no mesmo lugar... Ah, menina danada pra equilibrar!
Quero te falar, meu grande amor... Do anão esperto, na roupinha preta de gravata borboleta. O homem das facas mudando o cenário! Meu imaginário, que homem valente! Lâminas certeiras arrepiando a gente! Errava por querer — como combinado — o corpo da amada, no encaixe de papelão exposto de frente, pois há quem aguente? E o engolidor de fogo? Mas, que perigo! O inflamável na boca, o sopro de risco. Labaredas imensas, incendiando o palco, a plateia vibrando aos urros e gritos! Um salamaleque, um passo ensaiado e o destemido? Pois, já foi embora! Rompendo a cortina... O mágico e seu pombo a sair da cartola...
Quero te falar, meu grande amor... Do fotógrafo ambulante de um lado pro outro, tirando retrato de gente feliz. E felizes eram todos, era a gente, na última tábua, amarrada à corda, da arquibancada. Clic! Agarradinhos, em dia de circo, a namorar. Que rico momento pra se guardar! Quase apagado, o raro monóculo, última lembrança do que não durou... Eu só queria te falar... De tudo isso, meu grande amor...