Pequeno conto de paixão e anatomia
Estava sobre o sofá de veludo, a cabeça se posicionava levemente caída para trás fazendo com que a luz difusa que vinha da claraboia, criasse todos os mistérios de luz e sombra. O braço esquerdo de pele muito branca, estava sobre o ventre, ela matinha os olhos fechados, se assemelhava a uma figura de Degas. As pernas estavam estendidas sobre a mantilha espanhola, as franjas douradas, contrastavam com a pele levemente bronzeada. O tecido tinha tons pasteis, ia do rosa ao siena, subia pelo meio das pernas encobrindo o baixo-ventre. A respiração era muito leve e o peito arfava com suavidade. O cabelo era castanho com reflexos âmbar, era pesado e se esparramava sobre o braço do sofá, descia como uma cascata, tocando o mármore do piso. Ele estava diante dela, mostrava inquietação, a inquietação de todos os pintores, procurava o melhor ângulo. A luz mais forte incidia sobre o cavalete, sobre a grande tela, uma tocata de Bach impregnava o ambiente. Ela tinha sede, os lábios estavam secos, sentia os pés adormecidos, há mais de duas horas estava na mesma posição. Ainda tinha os olhos fechados, não queria desfazer o encanto. Sem abrir os olhos, sentiu a respiração pesada junto à sua boca, deixou-se tocar, o corpo ondulou levemente. Tremeu ao toque dos dedos dele ainda manchados de tinta, gemeu ao ser tocada pela parte de cima da mão, suspirou com a pedra de gelo deslizando sobre o corpo febril, deixou-se tocar pelas mãos aflitas do artista. Mais que um teste para todos os seus sentidos, era um toque de paixão e arte.
Anoiteceu, a chuva escorria pelo vidro embaçado da claraboia, a paleta, esquecida, jazia no chão, a tela estava quase limpa, ganhou somente um leve esboço...
Beijo a todos!