Portrait of the poet as a old man
Sou um velho poeta, cansado, coberto de sujeira.
Sentado, curvado... Tendo nos ombros empoeirados o peso!
O peso da ignorância que adquiri desd’ a primeira cidade.
Ignorância quase-urbana; bloco cinzento coberto de poeira vermelha.
Uma velha lembrança do calor, do cheiro de semente de capim secando ao sol.
No asfalto; rua larga, caminho de carroças, trilha de cachorros.
Uma tela de ferro antiga diante dos olhos enferrujados.
A loucura traz poesia, mas os olhos já não conseguem lê-las...
Ouvi dizer que, sobre o antigo cemitério, nasceu uma escola.
Caminhamos sobre solo sagrado; sob o meu tórax, o peso da asma!
Desço a escada, viro a direita, olho para cima e vejo o quadro da mulher.
Vendo a estátua e vendo os troféus imagino as conquistas cobertas de poeira.
Não os conquistei, já estavam lá quando cheguei.
No meio do pensamento surge a dor; consegue ver a dor que eu sinto?
Está vendo? Falo a verdade... A verdade da dor!
A mais pura verdade que é a plena dor, está nos olhos!
Mental, física, pecado mortal é rejeitá-la?
Salvação d’ alma é aceita-la!
Longe de casa, aprendi a ter saudade.
Compreendi o que dizia minha avó...
“Leve meu coração contigo, ouro.”
Também levo filosofias de bar, trapaças, desilusões e um leve vazio.
Ah, o vazio! Sentimentos pelos amigos mortos!
Muito tempo se passou, e foi tudo muito rápido!
Hoje sei, sei que a morte não queima nem mata lembranças.
A própria cabeça mata lembranças, faz questão de esquecer o que não quer mais lembrar.
Dobr’ a alma, duplica as profundezas, se esconde onde é impossível encontra-la.
Só se lembra se ouvir alguém contar... E espantado, exclama:
É mesmo, como havia me esquecido disso?!
Como havia me esquecido da língua tocando outra?
Como havia esquecido das comparações com o filho adotivo?
Como havia me esquecido de inspecionar as ações dos legítimos?
Mas, não esqueço que nasci as vinte e duas!
E nesse horário começo a beber, todas as noites!
Bebo o ópio, bebo o vinho, bebo a vida em cubos de gelo.
Bebidas libertadoras eu bebo!
O ópio da vida que é o vinho!
Rei sem coroa, tiro-lhe a rolha, encho a taça e inspiro-lhe.
O talento arde na garganta, queima como papel, adoça a língua, se dissipa em fumaça.
A centelha foi dada ao homem reto, não aos tortos!
Saúde, velho peralta!
*A James Joyce (1882 - 1941).