Naquela tarde um deserto surgiu
Alguém deve ter colocado um aparelhinho de ler a mente no meu travesseiro e por força do acaso ou de pura maldade, deve ter feito uma compilação de todos os meus medos.
Outro alguém (ou o mesmo alguém) deve ter construído uma outra maquininha de materializar pensamentos. Naquela tarde, o experimento obtivera sucesso. Uma vitória talvez para a ciência, mas não para mim.
Todos os meus medos, cruel e perfeitamente projetados, sentaram-se em minha cama, que afundou com seu peso enorme tão profundamente nas trevas que não pude mais me erguer, sufocado por aqueles corpos obesos.
Na solitude da companhia de tais seres que quanto mais se achegavam mais me preenchiam de vazio, não mais me ergui. Meu coração outrora era um jardim; sobre minha cabeça havia uma floresta; sobre os meus olhos o espaço infinito; e agora tudo era apenas areia fina, infinita e minúscula; tudo agora era o mais profundo nada.
Foi numa tarde de chuva lá fora que um deserto estéril surgiu cá dentro. E agora eu sou o deserto afundado na cama no abismo infinitamente escuro na companhia dos meus medos solitários.
Ninguém se lembrou de inventar uma máquina do tempo, contudo.