Diálogo ocorrido na data de 02/01/2015, entre o Poeta e Professor de Filosofia Marcos Monteiro de Macaé/RJ e o Pedagogo e Poeta Marco Rocca de Niterói/RJ.
 
Prof. Marcos: Num dia de extremo calor. Verão em nosso país tropical. Caminhando por essa nova ágora grega contemporânea que são as redes sociais, encontrei um velho amigo poeta e amante da filosofia. Dentre os muitos assuntos que discutimos, um nos deteve por um bom tempo: a origem e o sentido de toda existência. E como chegamos a isso? Discutindo política, traçando comentários oposicionistas ao governo de nossa república ensolarada. Tudo começou quando revelei-lhe ser um anarquista ateu. O que acabou sendo a deixa para o inicio de nosso diálogo. 
P.M.: ...Por isso sou anarquista. Não confio em governo nenhum, não aprovo cegamente nenhuma forma de estado. Política é a luta da sociedade contra o Estado. 

Marco Rocca: Concordo plenamente. Tenho uma visão  anarquista sobre a Criação!
P.M.: (risos) "Anarquistas graças a Deus"!!!!! Eu ateu! (risos) Mas a coisa é grave. Temos que ficar atentos, participar de alguma forma.​
M.R.: Ateu eu não sou, acredito que o homem se auto-criou, logo o homem é Deus, e vice versa. Mas, isso é outra história...
P.M.: Panteísmo: Deus é tudo, tudo é Deus.
M.R.: Exatamente! Porém, não sigo qualquer religião.
P.M.: Não vejo problema na religião, é um fenômeno social, humano. Quer dizer, o único problema é a intolerância de algumas. Essa pretensão de única verdade a que todos devem se submeter, isso sim é um problemão!
M.R.: Não gosto de seguir religiões. Tenho minha própria visão sobre a criação.
P.M.: Acho que esse é um legado religioso da revolução moderna. O indivíduo tem sua crença e não tenta impô-la a ninguém.
M.R.: A origem da vida está no próprio homem, assim como todo o entendimento do universo. O homem ao criar-se, criou junto o universo para habitá-lo. A isso, a humanidade chama de criação divina: o homem e o universo, dividindo assim a criação. A criação não pode ser dividida, porque o universo só pode ser entendido por quem o criou, o homem. E para que o criou? Para existir. Não há universo, sem o homem. Não há homem sem universo. Ambos se completam, e fazem parte de uma única energia,  A energia original, a qual podem ser dados diversos nomes, inclusive o de Deus.
P.M.: Interessante! Existem implicações filosóficas e científicas nesse ponto de vista que merecem ser discutidas. Mas o espaço aqui é diminuto para isso. Melhor pessoalmente, acompanhado de uma boa "breja". Mas, sem porre senão a discussão vira viagem. (risos)
M.R.: (risos) Concordo!
P.M.: Mas, falando sério, podíamos discutir isso com mais vagar. Quer ver uma questão: como o homem pode ter dado origem à vida se ela é anterior ao homem? O homem criou os dinossauros, por exemplo?
M.R.: Quando falo do homem, não me prendo necessariamente ao seu corpo físico, mas sim à sua inteligência, que precede toda e qualquer vida conhecida. O homem, já o era, muito antes dos tempos...
P.M.: Uma concepção curiosa, interessante. Você não é um materialista.
M.R.: Não. Acredito que uma energia eminentemente humana, (não necessariamente na forma que conhecemos, mas humana) seja responsável por tudo isso, por toda a criação, inclusive Deus. Aliás, Deus foi criado justamente para dissuadir a humanidade de sua verdadeira origem, que está em si própria, em sua inteligência. Você leu meu ensaio: "Enigma Divino"? Nele esboço que a Criação, Deus e o Homem, são um só.
P.M.: (Vou ler). ...Panteísmo. Você afirma que energia/Deus se dilacera em existências particulares. O ser se presentifica em entes. A materialização e particularização de Deus/energia no universo material deve ser um evento (se posso chamar assim) particularmente doloroso pois essa unidade primordial dilacera-se, esquarteja-se para dar origem aos seres particulares. Você encontra mitos que se referem a isso. Se não me engano o de Osíres no antigo Egito e o de Dionísio na Grécia Antiga, me ocorrem no momento.
M.R.: Pode ser, não os estudei, mas, acredito que a energia Inicial e única pulverizou-se em tudo o que chamamos de vida. Seja animada e até mesmo inanimada. A depressão que vemos muitas pessoas manifestarem é um sinal do sintoma do tédio universal em existir infinitamente. O homem jamais morrerá, pois, se um dia sua alma/energia morrer, significará a extinção completa da energia inicial/Deus/homem. Deus nesse processo é apenas um nome, nada mais.
P.M.: Tudo começou porque Deus quis se livrar do tédio universal a que estava condenado?
M.R.: Sim, isso mesmo! Daí  se multifacetou em bilhões de seres. Pode ser que nem só o ser humano possa ter essa consciência. Mas, outras espécies também. Se olharmos dentro de nós próprios, veremos, inicialmente, o medo da morte mas, se tivéssemos consciência da eternidade poderíamos estar entediados.
P.M.: Elegante argumento!
M.R.: Estou fazendo o que você me ensinou: pensar. Antes de ter aulas contigo, meus pensamentos se encerravam na abóboda da religião.
P.M.: Mas, é aí que nascem a filosofia e a poesia.
M.R.: Eu não admito um Deus provedor, absoluto e Criador de todas as coisas. Nós seres humanos, somos esse Criador.
P.M.: A consciência da morte é o antídoto para o tédio universal. E a existência em suas múltiplas particularidades é a origem da angústia, da depressão?
M.R.: Isso mesmo, (o debate está esquentando). 
O ser humano quando se apercebe da imortalidade da alma, entra em depressão. Por quê isso? Porque a imortalidade cansa!
P.M.: Mas e a angústia? A perplexidade diante da existência? O sentimento do absurdo e da gratuidade da existência? As coisas são o nome que o homem dá a elas. Não somos capazes de abandonar a perspectiva humana. Ou seja, os valores, a linguagem, o simbólico. A depressão seria então o resultado da crença na imortalidade da alma. Deprimo-me quando percebo que continuarei vivo, pois, a alma é imortal. A possibilidade do tédio universal é a causa da depressão. O que denuncia a inutilidade das religiões. Por outro lado, a subjetivação permite a percepção (intuição, compreensão...) das múltiplas formas reunidas na unidade do universo. A inteligência reúne o uno e o múltiplo. Vem daí a perplexidade e a angústia em perceber-se parte de  um cosmo sem sentido, gratuito...sei lá.
M.R.: Não há gratuidade na existência, ela por si em relação a alma é um firmamento. E as coisas cognoscíveis são aquilo que entendemos e nomeamos. Tudo o que foi concebido pelo homem é tudo que ele mesmo criou, o seu habitáculo. Mas, se o homem é tão auto-suficiente por que se deprime? Porque sabe que o múltiplo é UNO. E que a solidão implacável dessa única existência o corroeria. Daí a explosão em milhares de almas, cada uma com o seu projeto, bilhões de projetos, sufocadas por uma existência lépida e incapaz de satisfazer a  todos os seus sonhos. Esse é o grande mistério original. Não se conhecer completamente para que o enfado não corroa os "projetos" humanos. Mas, tudo isso, é sem sentido? Sim!
Se tivéssemos total consciência da imortalidade, não! Mas, se começarmos uma obra para alguém continuar...O ser humano busca sentido em sua continuidade, em sua prole...
Por exemplo, alguns indícios de que tudo é Uno: o comportamento das pessoas ante o perigo, as reações à dor, as expressões corriqueiras, como: “eu não te falei”, “pode acreditar”, “comigo não”, etc... o modo de olhar, falar, expressar-se, são coisas muito semelhantes, mas todos são "diferentes". Ora, observe atentamente quando alguém conta uma história, ou atende a um telefonema. São expressões tão diferentes assim? Não, não são! Então, esse múltiplo foi programado uma única vez, e depois disseminado. Sim, a ciência explica, o DNA humano, etc... Mas, não é só isso. Partiu-se de um programa original. Concorda, pelo menos em parte?

P.M.: Tenho que pensar mais. Você colocou algumas outras questões que merecem ser consideradas melhor. Estava mais atento à questão que deu origem a esta discussão: a individuação do "UNO primordial" provocada pelo tédio, a depressão e a angústia. (Estou esperando um táxi, depois escrevo).
...Aqui ainda não é uma questão de concordar ou discordar. Temos que definir os termos da argumentação.

M.R.: Está certíssimo, só o provoquei pensando que tivesse desistido. (risos). Marquinho, eu não tenho nem a metade do conhecimento acadêmico que você tem. Meu conhecimento é oriundo dos bancos da Fafima, (Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Macaé), de leituras de livros de livre escolha, do exercício poético e principalmente da observação. Nesse debate que travamos, embora o assunto seja polêmico, baseia-se sobretudo na liberdade de pensamento que possuímos. Então, eu não me proponho a limitar academicamente esse assunto, mas, sim, trazê-lo a luz de seus extensos significados. Ademais, essa é uma conversa informal que não pretende mudar o conceito das coisas, mas discutí-los aprofundando seu entendimento.
P.M.: Concordo! Mas e daí? Por quê não discutir por pura distração? Por puro hedonismo? Por gostar da polêmica? Não vejo problema algum. Estou de férias e a atividade especulativa de caráter metafísico pressupõe o ócio! Que, aliás, deveria ser a condição desejada e perseguida. Essa é a condição para a filosofia e a poesia. Ora, se a existência não tem sentido, como afirmo,  o único sentido para a vida deveria ser o prazer caracterizado pelo gozo físico, estético e intelectual. Você não concorda? Que importa conhecimento acadêmico? Não posso anulá-lo de mim, mas não posso deixar de exercer a liberdade, a espontaneidade. No que temos falado, há muito mais de poesia que é uma forma ou sentido da filosofia do que racionalizações acadêmicas. Essa é a boa disputa pelo simples fato que nunca acaba. O sentido é o prazer. Você não acha?
M.R.: Sim, e você tocou num assunto importantíssimo nessa discussão. Se a existência não tem finalidade, (e ela verdadeiramente, não tem), devemos nos entregar aos prazeres? A busca da perfeição material, etc... Talvez seja isso que alguns  povos descobriram, e a partir disso dedicaram-se a acumular dinheiro, poder, etc. Não os recrimino. Não recriminaria, ninguém! Todos estamos perdidos no "ocaso". Sem direção, sem rumo no universo. Não há um grande projeto, sequer uma finalidade, mas, posso afirmar que nos encontraremos daqui a mil anos e talvez conversemos, outra vez sobre isso, sem direção, sem rumo no universo. Não há como chegar a conclusão alguma. Deus, talvez não queira ser Deus... (tornando assim a Solidão original).
P.M.: Essa é uma conversa informal como a dos gregos antigos, inventores da filosofia. Nos seus banquetes, entre vinho, concubinas, comida e música, discutiam livremente temas polêmicos sobres os quais discutimos até hoje. Agora mesmo estou na praia tomando um chopp artesanal, esperando uma linguicinha importada e discutindo essas coisas. É lógico que se tivesse uma concubina aqui agora a coisa ia ficar complicada! O prazer é a fruição da existência. A riqueza só pode existir em função disso. Não como um fim em si mesmo. A diferença com os gregos é que a coisa agora é virtual. Mesmo as concubinas. (risos).
M.R.: O mais interessante nessa conversa é que não buscamos soluções. Porque sabemos, não existem!
P.M.: Deus dilacerou-se e sofreu por isso. Nome do sofrimento: homem. Mas sofrimento também é fonte de prazer. O prazer sexual (o prazer dos prazeres) não existe sem uma certa dor. A maternidade também. Pode-se tirar prazer da dor e vice versa.
M.R.: Deus dilacerou-se e talvez não haja mais prazer ou motivo para se reunificar. Mas, a humanidade não vive o ocaso por isso. Vive, porque mesmo juntas ou multifacetadas todas as possibilidades que Deus pode oferecer a humanidade, são conhecidas. Eternidade, eternidade e eternidade...
P.M.: Encerramos nosso diálogo poético/filosófico, não porque chegamos a um final, a uma conclusão, mas sim porque a essa altura outros temas já estavam preocupando nossa consciência irrequieta. Disse-me o amigo: "como estudante de filosofia você deve ter respostas mais elaboradas para essas questões que levantamos aqui. Afinal o conhecimento acadêmico deve lhe prover de instrumentos adequados para isso." No que eu retruquei: "Caro amigo poeta, como professor já fiz alguns alunos desistirem de estudar filosofia. E sabe por quê? Porque essas pessoas estavam atrás não da filosofia, mas de respostas para suas próprias angústias. A filosofia não elimina a angústia do homem, mas a sofistica. Quem procura a filosofia atrás de respostas se decepciona. “A filosofia nos ensina a fazer boas perguntas”. E nos despedimos até um novo encontro nessa nossa ágora contemporânea, o novo mundo virtual. 



Revisão: CSVF
Marcos Monteiro é autor do poema "o tirano" postado em 15/12/14.

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Nota:
Ágora
 -  Praça do mercado, lugar de comércio e reunião para discussões políticas e filoóficas na Grécia Antiga, geralmente empregada por Homero como uma reunião geral de pessoas. A ágora parece ter sido uma parte essencial da constituição dos primeiros estados gregos.
Panteísmo – é a crença de que absolutamente tudo e todos compõem um Deus abrangente, e imanente, ou que o Universo (ou a Natureza) e Deus são idênticos. Os panteístas não acreditam num deus pessoal, antropomórfico ou criador.
Anarquismo –  filosofia política que engloba teorias, métodos e ações que objetivam a eliminação total de todas as formas de governo compulsório e de Estado. Os anarquistas são contra qualquer tipo de ordem hierárquica que não seja livremente aceita.
Breja - não é um termo conhecido em todos os estados do Brasil. Mas, em vários deles, como é o caso de São Paulo, breja é uma gíria usada como sinônimo de cerveja.
Ocaso
Depois de mostrar todas as maravilhas e todos caminhos para o ser humano e animais de hábitos diurno, o Sol, Astro Rei, conhecido pelos egípcios como deus RÁ, mergulha no horizonte para acordar os que adormeceram com sua ausência. Esse momento do mergulho no Horizonte chamamos de Ocaso.
Hedonismo - é uma teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o supremo bem da vida humana. Surgiu na Grécia, e importantes representantes foram Aristipo de Cirene e Epicuro. O hedonismo filosófico moderno procura fundamentar-se numa concepção de prazer entendida como felicidade para o maior número de pessoas.