AUTOANALISE - SAUDADES...
Sou um sujeito simples.
Brotei assim.
Pelo mundo passo quase como uma folha ao vento…
Leve, vazio. Nem verde sou mais.
Deslizo entre papéis infindáveis.
Estou a fazer a história deles, enchendo-os de letras.
Por traz dessa mesa de papéis passo mudo, sem história.
Sinto-me pequeno nesta enormidade de concreto armado…
A cada ano esses papéis me furtam dois da minha vida!
Aprendi a varar os anos como uma agulha ao tecido…
Se tem letras que me matam, outras me salvam na poesia.
Nela invento um mundo perfeito, mundo que me bastaria. Fecho os olhos e me vem o mar, me vem à noite branda… Minha face se lambuza de paz inventada. Renasço puro!
Nem sei mais voltar à infância que vivi. Nem aos amores
que tive ou pensei que tivesse. Quando lembro me vem uma figura amarelada, com cheiro de passado distante.
E as crianças que correram na minha infância fugiram
da minha memória. Estou feito um casarão oco e triste!
Carrego uma solidão na minha sombra. Vago numa estrada
abandonada, quase que tomada pelo mato de um ontem distante. Mas este pássaro que canta faz fluir em mim
um soprinho de vida, como quem ainda se sabe vivo.
Se pelo menos tivesse aqui o meu velho pai, saudade!
Mas carrego em mim tua face desconfiada, teu jeito brejeiro que sabia respeitar a todos. Sou simples porque simples você me fez, sou sua cópia fiel. Bem-te-vis sabem alegrar manhãs tristonhas, assim como o pescador sabe acordar as águas e os peixes que fogem da sua rede de sede e de fome de rios doces.
Um homem precisa de um tempo para chorar um tempo que não volta mais. Precisa ficar só, fugir até de si mesmo e voltar leve ao hoje, leve como um beija flor estradeira… Sou um sujeito simples. Brotei assim. Pelo mundo passo quase como uma folha ao vento… Leve, vazio. Nem sou mais verde…