[Te vejo na Rua do Nunca?]

Senti um grande alívio ao descobrir que a Rua do Sonho, essa do Sonho de uma Rua, e que tanto visito em minhas viagens oníricas, aquela que passa pelo Triângulo, fica mesmo em Itumbiara-GO [ah, posso ver até a loucura das águas do Córrego da Trindade em dia de enchente braba!]. Agora, que não tenho mais dúvida, quando eu retornar a Itumbiara, eu vou procurar o Rua do Sonho.

Falta-me agora descobrir, ou situar, a Rua do Nunca, aquela da promessa que faço de jamais te ver. É nesta rua, ladeada de árvores com flores amarelas [seriam ipês? eu ponho flores amarelas em todos os meus sonhos!] que eu encontro aquelas pessoas que, eu sei de certeza, que nunca vou ver de perto, ver mesmo, com estes meus olhos castanhos.

A Rua do Nunca quase se parece com a antiga Rua da Cemitério, lá em Araguari. Com a gritante diferença que eu jamais prometeria não encontrar alguém na Rua do Cemitério... isto, nunca! Assim, decididamente, a Rua do Nunca, não fica em Araguari!

Onde fica então, essa tal Rua do Nunca? Ela passa, numa descida íngreme, por um cemitério, é verdade, mas apenas passa, não termina ali. Defronte aos portões do cemitério, há um bar simples, onde eu costumo tomar cerveja preta quando visito a Rua do Nunca. Sento-me a uma mesa tosca, e contemplo, do outro lado da do Nunca, os túmulos que diviso pelas grades dos enormes portões de ferro. Na rua transversal, o muro do cemitério termina num barranco que se curva em ângulo reto, vem quase margear a Rua do Nunca; digo quase, pois há entre o barranco e a do Nunca, uma ruazinha de terra que leva a um campo de futebol, lá embaixo, numa várzea.

Respondendo à pergunta do título desta carta: tranquiliza-te pois, não te darei o desprazer de deitar os teus belos olhos sobre a minha feia catadura, ou por outra, sobre esta minha triste carcaça! É mesmo na paragem iluminada e ricamente florida desta rua ignota que eu prometo nunca te encontrar em minha próxima visitação. Vou me sentar àquela mesinha sob o toldo do bar em frente ao cemitério, e lá, não vou esperar por ti.

E, no entanto, eu confesso que até poderia te amar... mas se misturássemos nossos olhares, nossas mãos, nossos cheiros, em outra rua; não naquela do Sonho, e nem tampouco nesta do Nunca — aliás, este nome, eu digo agora, é uma singela homenagem que faço ao nosso não-encontro — fica a dúvida se seríamos, ao modo do que diz Giles Deleuze em sua leitura de Spinoza, uma “boa mistura!”.

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[Desterro, 06 de janeiro de 2015]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 06/01/2015
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