Porta do Abismo

Num dia de luz como nunca mais tive, ele se foi. Saiu pela porta entreaberta, Disse que logo voltava. Já se passaram 270 anos e ele nunca mais voltou. Deixou-me com o coração na mão e o espírito dilacerado, moído por dores e angústias que ele nunca sentiu. Não conhece essa dor. Hoje, minha escuridão é um convite à partida. Chegou a minha hora de fazer as malas. Partirei como sempre vivi – solitária e embrutecida pela dor… Não há ninguém para dizer adeus, nem alguém a quem beijar a face antes da partida. Paro na porta para um último olhar para dentro de minha própria escuridão… é hora de ir…Na bagagem nada levo. Apenas a coragem e o medo de partir, jogar-me no abismo que sempre evitei. Não vai doer. Já não dói mais. A dor anestesia os sentidos. É como um adormecer que já tive há tantos séculos e do qual acordei pela mão que agora me deixou. Vou. E será para sempre. Disso ele já sabia quando escolheu partir. E mesmo sabendo ele se foi… Então vou partir. Chegou a hora. Não deixarei espólio, além do que já ficou. Um recanto do tempo com milhares de pétalas da mulher enrolada numa “rosa do adeus” e um “lumiar de brisa” que está no colo dele há milênios. É isso que deixo em meu testamento. Um pequeno espólio que não terá mais acréscimos. Porque… a boca da alma calou faz tempo. Não consegue pronunciar a dor. Não há palavras que a expressem. Por isso deixei por último, em cartório registrado, um poema de “Amor Eterno”. Para que ele nunca esqueça que este coração foi por ele condenado a solidão, e de dor e tristeza morreu… porque… um dia… envolto em um tapete de folhas amareladas pelo tempo… aprendeu o que era o amor…

A Montanha Azul
Enviado por A Montanha Azul em 05/01/2015
Reeditado em 05/01/2015
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