Milagres existem
Se eu fosse aquele senhor que tentou pongar na porta central do ônibus e caiu e teve escoriações severas nas duas pernas e ficou uma eternidade estendido no asfalto quente nas imediações do Solar Boa Vista de Brotas esperando o socorro sob os olhos curiosos penosos vingativos contemplativos de transeuntes parentes amigos desconhecidos poetas bêbados e que foi levado com vida para o hospital e do qual não obtive mais informações...
Se eu fosse aquele rapazinho franzino de olhos expressivos caído no asfalto quente da Avenida Ogunjá como é conhecida popularmente a Avenida Graça Lessa o qual tinha sido baleado por um segurança de um posto segundo populares e que esperava o socorro que demorou de chegar e levou o rapaz para o hospital mas que não resistiu aos ferimentos e faleceu segundo nota publicada num jornal diário da cidade...
Se eu fosse aquele rapaz que morreu baleado em Mirantes de Periperi na parte alta do bairro e que eu ouvi os estampidos quando passava de carro e percebi pessoas correndo para se proteger e não sei de onde vieram os tiros e muito menos as motivações do crime e do qual não li nem ouvi em nenhum noticiário jornalístico...
Se eu fosse aquele rapaz que corria de outro que estava armado no fim de linha de São Tomé de Paripe e eu dentro do ônibus esperando a hora programada para o motorista ligar o carro e sair e de cujo fujão não sei se era culpado ou inocente nem o que ocorreu após aquela passagem dele em frente à janela do veículo...
Se eu fosse o dono daquela cabeça que rolou numa praça de uma praia suburbana segundo relatos de pessoas que falavam sobre o crime que possivelmente estava relacionado a vingança por coisas insignificantes mas que ceifou a vida de um jovem que bem poderia chegar a altos cargos desta nação ou se tornar parte da legião de eleitores...
Se eu fosse aquele corpo encontrado afogado em uma praia qualquer do litoral dessa cidade onde reina a felicidade mas que ceifa a oportunidade de seus cidadãos de terem esperança e futuro e ninguém reconheceu o corpo e acharam que ele veio passear e acabou se empolgando com a beleza natural e com o sabor da bebida e com a paisagem e com a temperatura da água e acabou se esquecendo de se proteger e entrou no mar onde não havia salva-vidas...
Se eu fosse o corpo de onde emanava aquele cheiro de carne que sentiram vários e várias ao visitar uma amiga numa biblioteca que fica muito próxima ao local adequado onde são armazenados os mortos para serem reconhecidos por alguém ou deixados lá até que o prazo seja avaliado e decidido o que fazer com os não reconhecidos...
Se eu fosse um daqueles perambulantes ou moradores daquele banco de mármore na praça onde morreram assassinados quatro heróis de um levante popular e onde agora morrem esperanças de velhos e perspectivas de crianças e jovens filhos desses anciões e de senhores e de senhoras que disputam um copo ou uma concha de mingau ou sopa ou um pedaço de pão ou um gole de suco ou um cobertor ou um sapato que não cabe no pé...
Se eu fosse um desses milhares de seres humanos de todas as idades que diariamente catam café nas fazendas ou que podam pés de cacau ou que limpam sapatos pelas ruas das cidades ou que chafurdam no lixo em busca de restolhos e de tudo o que não serve para humanos e humanas e que comem dejetos e que não são vistos por ninguém que passa ao lado ou ao largo ou por ninguém que não quer ver...
Se eu fosse um desses vermes imundos que comem carne podre de cadáveres jogados às margens das rodovias e nos pontos de desovas ou que morrem antes de chegarem aos hospitais ou que morrem depois que são atendidos ou que morrem nas mesas de cirurgia ou que não morrem mas ficam mutilados ou que morrem antes de nascer ou que morrem e não morrem e vegetam em alguma unidade de terapia de alguma unidade de saúde...
Se eu fosse um daqueles corpos carbonizados em veículos que se acidentam ou eu fosse um daqueles cujos corpos desaparecem pra sempre no fundo do mar após quedas ou derrubadas de aviões de passageiros...
Se eu fosse um daqueles que são explodidos em trens metrôs ou praças ou estabelecimentos comerciais por homens bombas ou por bombas jogadas de aviões que combatem a violência mas que causam tantas mortes quanto de quem guerreia no chão contra seus próprios semelhantes...
Quando finda um ano e estou ainda aqui a esperar por uma vaga no mercado de trabalho ou se já tenho garantido meu emprego ou se continuarei trabalhando onde acho uma chatice ou se estou estudando e tentando minha primeira colocação ou se vivo dependente de alguém ou se sou ambulante ou se sou empresário ou se sou político delegado eleitor vereador músico poeta ou cantador de viola...
Aí sinto que posso sonhar por mais um dia e agradecer por mais um monte de oxigênio que eu gasto desse universo...
Salvador, 05 de janeiro de 2015
Se eu fosse aquele senhor que tentou pongar na porta central do ônibus e caiu e teve escoriações severas nas duas pernas e ficou uma eternidade estendido no asfalto quente nas imediações do Solar Boa Vista de Brotas esperando o socorro sob os olhos curiosos penosos vingativos contemplativos de transeuntes parentes amigos desconhecidos poetas bêbados e que foi levado com vida para o hospital e do qual não obtive mais informações...
Se eu fosse aquele rapazinho franzino de olhos expressivos caído no asfalto quente da Avenida Ogunjá como é conhecida popularmente a Avenida Graça Lessa o qual tinha sido baleado por um segurança de um posto segundo populares e que esperava o socorro que demorou de chegar e levou o rapaz para o hospital mas que não resistiu aos ferimentos e faleceu segundo nota publicada num jornal diário da cidade...
Se eu fosse aquele rapaz que morreu baleado em Mirantes de Periperi na parte alta do bairro e que eu ouvi os estampidos quando passava de carro e percebi pessoas correndo para se proteger e não sei de onde vieram os tiros e muito menos as motivações do crime e do qual não li nem ouvi em nenhum noticiário jornalístico...
Se eu fosse aquele rapaz que corria de outro que estava armado no fim de linha de São Tomé de Paripe e eu dentro do ônibus esperando a hora programada para o motorista ligar o carro e sair e de cujo fujão não sei se era culpado ou inocente nem o que ocorreu após aquela passagem dele em frente à janela do veículo...
Se eu fosse o dono daquela cabeça que rolou numa praça de uma praia suburbana segundo relatos de pessoas que falavam sobre o crime que possivelmente estava relacionado a vingança por coisas insignificantes mas que ceifou a vida de um jovem que bem poderia chegar a altos cargos desta nação ou se tornar parte da legião de eleitores...
Se eu fosse aquele corpo encontrado afogado em uma praia qualquer do litoral dessa cidade onde reina a felicidade mas que ceifa a oportunidade de seus cidadãos de terem esperança e futuro e ninguém reconheceu o corpo e acharam que ele veio passear e acabou se empolgando com a beleza natural e com o sabor da bebida e com a paisagem e com a temperatura da água e acabou se esquecendo de se proteger e entrou no mar onde não havia salva-vidas...
Se eu fosse o corpo de onde emanava aquele cheiro de carne que sentiram vários e várias ao visitar uma amiga numa biblioteca que fica muito próxima ao local adequado onde são armazenados os mortos para serem reconhecidos por alguém ou deixados lá até que o prazo seja avaliado e decidido o que fazer com os não reconhecidos...
Se eu fosse um daqueles perambulantes ou moradores daquele banco de mármore na praça onde morreram assassinados quatro heróis de um levante popular e onde agora morrem esperanças de velhos e perspectivas de crianças e jovens filhos desses anciões e de senhores e de senhoras que disputam um copo ou uma concha de mingau ou sopa ou um pedaço de pão ou um gole de suco ou um cobertor ou um sapato que não cabe no pé...
Se eu fosse um desses milhares de seres humanos de todas as idades que diariamente catam café nas fazendas ou que podam pés de cacau ou que limpam sapatos pelas ruas das cidades ou que chafurdam no lixo em busca de restolhos e de tudo o que não serve para humanos e humanas e que comem dejetos e que não são vistos por ninguém que passa ao lado ou ao largo ou por ninguém que não quer ver...
Se eu fosse um desses vermes imundos que comem carne podre de cadáveres jogados às margens das rodovias e nos pontos de desovas ou que morrem antes de chegarem aos hospitais ou que morrem depois que são atendidos ou que morrem nas mesas de cirurgia ou que não morrem mas ficam mutilados ou que morrem antes de nascer ou que morrem e não morrem e vegetam em alguma unidade de terapia de alguma unidade de saúde...
Se eu fosse um daqueles corpos carbonizados em veículos que se acidentam ou eu fosse um daqueles cujos corpos desaparecem pra sempre no fundo do mar após quedas ou derrubadas de aviões de passageiros...
Se eu fosse um daqueles que são explodidos em trens metrôs ou praças ou estabelecimentos comerciais por homens bombas ou por bombas jogadas de aviões que combatem a violência mas que causam tantas mortes quanto de quem guerreia no chão contra seus próprios semelhantes...
Quando finda um ano e estou ainda aqui a esperar por uma vaga no mercado de trabalho ou se já tenho garantido meu emprego ou se continuarei trabalhando onde acho uma chatice ou se estou estudando e tentando minha primeira colocação ou se vivo dependente de alguém ou se sou ambulante ou se sou empresário ou se sou político delegado eleitor vereador músico poeta ou cantador de viola...
Aí sinto que posso sonhar por mais um dia e agradecer por mais um monte de oxigênio que eu gasto desse universo...
Salvador, 05 de janeiro de 2015