[O que eu faço... se eu esbarrar num sonho?]
Estranho as coisas simples: olho as minhas mãos como se estivessem lá, a uma certa distância de mim. Estranho o fabricar de que elas são capazes. E também estranho essa forma inexplicada das minhas mãos [eu ainda não li Darwin]. Estranho o jogo entre cérebro e mãos, pois, subitamente, deixa de ser óbvio.
De modo parecido, eu estranho os objetos circunstanciais quando, sem razão, perdem aquela habitualidade que me permite andar entre eles no escuro, sem esbarrar, como se fossem extensões de mim. Não me surpreendo, pois, ainda que eu me projete para lugares onde não estou, aonde nunca fui, eu jamais esbarro as sonhadas partes viajantes do meu corpo com a concretude da vida de lá... embora eu saiba, de certeza, que elas estão lá, ao modo de coisas entre coisas.
Às vezes, eu saio a caminhar por aquela rua ampla, calçada de pedras de basalto, que existe [sim, existe, não me contestem!] lá em Itumbiara, GO — dou até o nome da cidade, como prova da realidade desta rua mutante, a cada retorno meu.
Na última vez em que lá estive, um sujeito chutou um cachorro preto, de pelo curto, manchas brancas em volta dos olhos, como se usasse uma máscara. O pobre animal gania tanto, tanto... Bati a mão na cintura, e nada — cadê o 38 cromado para eu dar um tiro no tal sujeito?! E na vez anterior a esta, eu saí com uma bela mulher, lindamente maquiada, que estava num barzinho de paredes cor de rosa, onde conversávamos... coisa que eu não entendo, pois eu jamais ficaria com uma mulher maquiada, por mais bela que fosse! Se não for ao natural, não me serve! Será que dessa vez eu passei da conta naquela cachaça, a “Abílio Borges”?
Eu já saí às ruas, aos bares procurando fragmentos de sonhos... certa mulher que me frequentou em um longo sonho, desta feita, lá em Araguari, MG [ah, que sexo intenso...]. Ela é tão real, tão real... a ponto de eu ainda sentir a textura da pele, o gosto, o cheiro, tal como sinto a cada vez que falo nela, como [sinto] agora, neste instante...
Até hoje, nada aconteceu de errado, nenhuma encrenca! Mas eu espero... pois há de vir o dia em que eu vou esbarrar com essa mulher do sonho... qual delas, a de Goiás ou a de Minas? Mas, o que eu faço, se, enquanto vagueio pela noite, pelos bares aqui do Desterro, ela vier... o que eu faço se eu esbarrar numa dessas mulheres oníricas? Interno-me, ou vou novamente para a cama com ela?!
______________________________
[Desterro, 31 de dezembro de 2014]